As nuvens adensam-se em redor do perímetro do Pavilhão Atlântico, composto na sua maioria por prédios longos, constituídos por materiais que os tornam leves, quase inexistentes. No interior do Pavilhão há muitas mulheres vestidas de preto, a elegância predomina, não seria surpreendente que estivessem algures a Kate Moss, ou, a Tracy Vandal. O ecrã led que ilumina o palco tem um círculo a meio do topo, passam as iniciais D.M, as pessoas aplaudem, o som da sala aumenta gradualmente. Os Depeche Mode estão a subir ao palco pela direita baixa, o compositor Martin Gore é o primeiro a surgir, de casaco de lantejoulas cinzentas e sapatos da mesma cor. “In Chains,” abre a celebração em volta de um agrupamento que no início da década de oitenta uniu dois campos estéticos aparentemente opostos: a pop e a música electrónica com origem nos alemães Kraftwerk. “In chains,” mistura-se com o ecrã vermelho a pingar sangue, no círculo um homem caminha mas o seu destino é inequívoco: “In chains,” com a voz de Gore a fazer de coro à do cantor-performer Dave Gahan, de fato e colete pretos, sem camisa. “I `m in chains!”, a canção tem como princípio o blues misturado com um tóxico que o torna cibernético. Dave dança e abre os braços como se estivesse a espalhar uma fé, que se transmite através do seu sex-appeal. “I´m in Chains,” despe o casaco e ouvem-se os gritos de uma muralha desafinada de mulheres. “Wrong” é o extremo do erro, da má conduta, da perversão, “wrong!”, de todas as maldades ocorridas e que são da nossa responsabilidade. O ritmo é violento e a conjugação dos acordes tem mais plasticidade do que o original, o primeiro single que serviu de apresentação a “Songs of The Universe,” o último álbum, que os D. M promovem em Lisboa. No ecrã surge a banda, que em palco é apoiada por mais dois músicos, um baterista e um pianista. Dave dança antes de surgir a batida tribal de “Hole to Feed,” as duas vozes encontram-se afinadas ao mesmo nível. Inicialmente o tema começa a impor uma maior agressividade, mas tal foi apenas desenhado e não totalmente concretizado. “Good evening Lisboa!”, Dave recebe em troca um milhar de gritos. “Walking in My Shoes,” é um tema tétrico, de apelo a que os outros se solidarizem com a nossa dor, tremendamente desesperada, e por conseguinte ajudar-nos a fugir da ansiedade que nos encaminha para o suicídio: no ecrã um corvo negro sobre um fundo cinzento, está empoleirado numa trave, à espera do nosso cadáver. “I´m not looking for absolution”, “forgive me”, “I do”, “star walking in my shoes”, “star walking in my shoes”, “if you try, try walking in my shoes.” A música segue o percurso que nos leva até à demência electrónica, o corvo esvoaça ao sentir o vento mórbido. Desce o jogo de luzes e torna o palco mais pequeno. Dave rodopia com o tripé do microfone nas mãos, “only fifteen”, “you look good,” Dave coloca as mãos entre as pernas e ri ao ouvir os gritos das, “only fifeteen”, “you look good,” e quando o refrão: “It´s a question of tiiiaame”, “a question of time,” movimenta-se com o tripé, do lado esquerdo para o direito, como se o objecto fosse o seu ponto gravitacional. “Precious,” perde o pendor sintético e ganha rugosidade e o preâmbulo da primeira para a segunda parte da canção é acidentada, quase em contra-circulo para com os acordes suaves. A responsável é a guitarra de Martin Gore que transpõe a canção do slow para o psico-rock. “World in my eyes,” é a primeira vez que Gore se coloca atrás do teclado, a narrativa insinua que as palavras são supérfluas, “let the body to the talking”, “let me show you, the world in my eyes!”, “I take you to the highest mountains”, “belive me”. “Can you hear me Lisboa?” Gritos. Dave Gahan transforma o tripé do microfone num varão de uma casa de streap, sobe e desce, com ele entre as pernas e olha para a plateia, e convida-os a entrar no jogo da… “My eyes”, “my eyes”, "my eyes" a voz grave leva-nos para dentro de um corpo nu. O ecrã ganha tonalidades laranjas, os samples lançados são um fraseado árabe, a batida é reminiscente à dos Einstürzende Neubauten. Variando do rápido ao lento, as vozes relatam: “touch me.” Dave Gahan abandona o palco e é Martin Gore: “Sister of the night”, num binário lento, “breaking down your wheel”, denota algumas limitações vocais de Gore, tentando gradualmente instalar-se na melodia do tema, em vão. “Hey sister?”, com um solo réplica de uma geografia acidentada, mas simultaneamente calculista. O piano surge delicado e a voz ganha tonalidades quentes, num chamamento irresistível, “and I Thank you, from bringing me here, for bringing me home”, “belong here”, o público: canta o coro: “Home”. “My last praaaay”, palmas, as luzes iluminam os espectadores. Martin ergue os braços e movimenta-os como as de um maestro, marcando o ritmo do coro: “OoOoOOooOoOoOoOO”, passeia, “Thank you, for bringing me here”, coro: “OoOOOOOOooooOOOO”, do público, Martin dobra-se e agradece a atenção e o carinho dos portugueses. “Mr. Martin Gore!”, sublinha Dave Gahan. “Miles away,” com a guitarra em estrela de Martin Gore, “you are miles away”, num gingar de bordel repleto de clientes com chapéus de cowboys prontos a snifar a nossa alma. O solo distorcido, destrói o passado e estabelece um outro futuro, onde “your eyes tell me something”, “you are miles away”, voz diabólica: “Miles away”. “Thank you very much!” Dave dança quando os acordes míticos de “Policy of Truth,” são disparados pelos três teclados e a bateria pontua-a com o respectivo balanço, “never again”, com o ecrã a projectar um jogo Tetris, Dave rodopia, “never again, is what you saw”, “never again”, “never again”. “Don´t say you love me, don´t say you want me, cause`s no good,” comparativamente com o original, este ganha na vertente extravagante, como se estivesse Andy Warhol na mesa de som de palco, a misturar o Kitsh e a dar-lhe uma conotação comercialmente seriamente icónica: “You now you can´t be”, “it´s no good”. “Thank you!” O sadomasoquismo é revelado, quando as luzes descem, e o ecrã se enche de tinto, que nos inebria, alcooliza, e o inconsciente invade o consciente, vestimos a mascara e sufocamos em cabedal preto: “In your room”, “your favoritive slave”, solo agudo e rápido a rasgar as nádegas, a dor é orgasmo: “In your room, Where time disapear”, “your favoritive mirror”, “your favoritive slave”, “away”, Dave dança, as luzes sobem e o prazer desaparece. “I Feel you” é tão penetrante quanto um sentimento que estamos a praticar pela primeira vez, o ritmo seco, leva Dave a beber de uma garrafa de plástico com conteúdo escuro, as luzes dançam lentamente, os acordes percorrerm a canção e transformam-na num Inferno, para onde correm os desalmados. “I Feel YOU! AAAAAAAAAAAA!”, solo, a maquina não pára, o sentir de: “AAAAA”, com a voz a ser o elemento distorcido. No ecrã três astronautas: Dave Gahan, Martin Gore, Dave Fletcher, ficam em suspenso, mas os acordes circulares, “words are very unnecessary”, “hearts to be broken”, são as palavras-chave de “Enjoy the Silence”, “to be broken.” Dave Gahan desloca-se pela passadeira, pede ao público para mexer os braços da esquerda para a direita, tenta dar continuidade à canção, mas todos os músicos seguem a guitarra de Martin Gore, que em regime progressivo, alavanca consigo tudo e todos, ignorando o cantor, épico: Dave, agacha-se e coloca a sua boca junto à guitarra de Martin, e finaliza: “Enjoy the Silence”. “Never let me Down again”, “taking a ride with my best friend”, “ride”, “come down”, “my feet on the ground.” O primeiro tema do encore é um passo atrás na interpretação de Martin Gore, “One Caress”, não consegue ser expressiva, reduzindo-se a um momento nulo, apesar da letra: “Oh girl!”, “in your darkness”, “obrigado!”. "Stripped" é um hino que se poderia ouvir num bar, repleto de espelhos, o ritmo mistura-se com os acordes de “Stripped”, “take my hand”, “back to the land”, refrão é cantado pelo público: "Let me see you stripped down to the bone," a progressão é violenta, a carne é apenas a decoração dos ossos, Dave e Martin fazem headbanging junto ao bombo da bateria, segundos em que o delírio não faz parte da razão.“Behind the Wheel”, palmas, acordes, teclados, samples, loops, voz: “I don`t care,” desvairo, delirio: “Tonight”, “passenger”, “tonight.” O epílogo é um ponto equacionado através de uma imagem de montes a serem montados por cavaleiras, prontas a estarem nas esquinas dos círculos das cidades, onde se vendem por uma bebida, um fósforo ou um cigarro, desde que haja pavio, e se tenha confiança no nosso “Personal Jesus.” Com os acordes da guitarra em constante distorção, e os samples a nos transporem para o deserto e se formos atingidos pela alucinação da miragem, e esta seja uma mulher de pernas longas, cobertas por meias de rede negras, um casaco curto com um friso ao longo dos braços, e uma mini-saia, que quando se abaixa mostra as zonas que nos providencia a devoção aos Depeche Mode.
“Tour of the Universe”, Depeche Mode, Pavilhão Atlântico, 14 de Novembro.
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