sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Hell and Heaven

Se o paraíso é uma plataforma épica de glorificação de uma eternidade utópica, então coloquem-se no interior de Peter Murphy, o morcego dos Bauhaus, o homem que nos orienta para o Inferno. Magro, caminha sobre as pontas dos pés, encara o público de Águeda de frente, beija o guitarrista, discute com o técnico do palco, este é o seu inimigo que Murphy tem que degolar e posteriormente violar. A suavidade de “Cuts you Up” é apenas para o registo fonográfico, ao vivo o power trio acompanha a guitarra acústica, em regime distorcido com o baixo a ganhar gradualmente o protagonismo. “You now the way?”. O plano que se inscreve a partir daqui é tétrico, cavernoso, com esqueletos pendurados em árvores, e mulheres obesas a cozinhar cadáveres, com velhos a rezar, “going to hell”, a bateria repete sete vezes como se fosse o prenuncio de um enforcamento induzido pela solidão, extrema unção, “going to Hell”, ecoa pelo recinto devoto ao hominívoro Leitão, com Peter ao lado do baterista corpulento latino americano. “Strange kind of Love, strange kind of feeling”, a sua voz é modular como a língua do Diabo, “broken Hearts”, o foco sobre o rosto emagrece-o, “to Love or to HATE?”, com o teclado a adocicar a cauda de espinhos. “This is a new song”, “wich is about, Magnificent.”. Duas guitarras em distorção, Peter dança como se estivesse sobre uma passadeira de ginásio, “she takes”, com a malha distorcida a soprar violentamente sobre os suicidas a impedi-los de se matarem, “all the cities”. Pausa. Peter, rodopia, como se fosse uma agulha a cair sobre uma teia de aranha. A alma dos Bauhaus é ressuscitada numa vertente niilista, o fundo do fundo, o bicho das sete cabeças e língua de bovino. “I don´t now anymore”, ritmo sincopado, variações rítmicas, “anymore” “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore.”. A lágrima negra é aspirada, numa distorção revestida a prata pop, “OOOOOOO=OO”, “she is in parties”, parece a antepassada de uma canção dos Suede, mas Peter Murphy dança como um menino tolo de uniforme no recreio de um colégio inglês. “She is in Parties”, é uma premonição violenta num dub claramente dark. Stop. Peter Murphy entra em palco e posiciona-se na boca de cena, coloca os braços ao nível dos ombros e o roadie, segunda guitarra ocasional, enrola-lhe ao pescoço plumas negras, “Ziggy Stardust”, é corrompido longitudinalmente e em latitude, libertando-a da demência contida do original de Major Tom. “Space Oddity”, é apresentada numa sincope em que as teclas do piano são sempre as negras, abissal precipício delicado, cantado, por Peter Murphy e os três músicos deitados, numa encenação do pós-além, o supra-Inferno, “major Tom to run control”, numa, “today”, “no Way to go.”.“Transmission” da Joy Division, “radio”, “live transmission”, ouvem-se as guitarras a deflagar, e bateria a estourar, numa vertente de pura transmissão, diversão, negritude, dark, suicide, “dance”, “dance”, “dance”, dance”, “dance”, “dance”, “dance”, oiço a voz de um suicida, “show”, “dance”. “RADIO”, “dance”. Nine inch Nails e Johny Cash, em simultâneo são cantados pela voz do além, à guitarra eléctrica com as luzes acesas, num último shot de heroína.

17ª Festa do Leitão, Peter Murphy, 09 de Setembro @ Águeda.