Ver um ponto de luz no horizonte e persegui-lo é seguir o sentido do infinito. Percorrer uma ambição com a perspectiva de acrescentar ao presente um futuro, espaço ou um trabalho que alimentam a possibilidade de liberdade. No Salão Brazil, na baixa de Coimbra, bar de luzes ténues com um pé direito gigante, as luzes iluminam Ana Deus e Alexandre Soares, unem-se em redor de Osso Vaidoso. A primeira vitima deste duo é o amor, “estropiar”, “cortar-lhe as asas”, “e”, “dormir”, “amarrar-lhe”, a guitarra eléctrica de Alexandre Soares exibe-se a completar os versos de Regina Guimarães, a voz é de Ana Deus, que se divide entre a spoken word e o canto. A segunda canção insere-se na mesma lógica gramatical, “não tenho papá, não tenho trovão, não tenho peso ideal, não tenho conta poupança, nem doutor de confiança, há coisas que são só minhas”, os acordes de Alexandre Soares variam e procuram completar os estilhaços das letras. O solo é longo e circular os versos curtos, Alexandre Soares coloca-se de joelhos numa estranha penitencia, tentativa de se aproximar de uma concentração perfeita, a estranheza do acto da purificação. O terceiro tema é um slow, que ancora num lugar comum: “Chorar não vale a pena, sobre leite derramado”. Sobre a próxima canção Ana Deus, refere: “É a visão deles, dos rapazes da tutoria do Porto”, resultado de leituras com jovens delinquentes, impera a spoken word, e a letra é de auto-comiseração, “eu roubei, poderia ser a minha mãe”, e a lógica que impõe a solidariedade, “ladrão não rouba ladrão”, a guitarra eléctrica ganha protagonismo através de dinâmicas desconstrutivistas. Esta é substituída por uma viola picola, num tema que versa a vida saudosista dos emigrantes em França, o timbre da viola é a peste, é através dela que visitamos as casas com corações de Fátima, velas por Cristo, fotografias em Nazaré, garrafões de vinho da adega da aldeia, mulheres gordas e feias, homens escarram para a sanita, arrotam, e o Benfica está no coração: “Je pleure en regarde la telé”, “Je voudrais mourir chez mois”, é dito tão delicadamente, que se transforma numa pequena angustia. A guitarra eléctrica inicia a canção, “todas as noites são de transição”, “começam pelo céu pelo chão”, a sobreposição de acordes dá lugar a um improviso introvertido. A verão dos Velvet Underground, “Vénus in Furs”, “podia dormir 1000 anos”, “1000 sonhos não me acordariam”, “AAAAAAA”, “que briga na rua escura”, “que o teu mal te cura”, “amor chicote estala”, “estou cansada, estou exausta”, Alexandre Soares desconstrói o tema numa vertente minimal em que as notas são dedilhadas lentamente, a voz é que a retira do andamento fúnebre, “tua sombra, tua luz”, “já não se apaga”, “traga-me a”, “Aaiaiaiaiia”, “morte viva”, “AaiAIAIAIA”. “A próxima chama-se ´Poligamia` escrita pelo Valter Hugo Mãe”, num ritmo rápido como o desejo de qualquer mãe ou pai: “hei-de fazer a minha filha rica, dar-lhe um namorado de cada cor”, a guitarra quando se enfurece ouve-se um génio que a domina de cima abaixo, e lhe rasga as cordas, asfixia-a, num auto-erotismo suicida. “´Cacofonia` é dedica ao Mário Henriques [técnico de som] que é aniversariante”, o gráfico dos acordes é intenso e assimétrico, “tetas”, “drogas”.
Osso Vaidoso, 24 de Setembro, Salão Brazil @ Coimbra
domingo, 26 de setembro de 2010
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