terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Love Boat

A temperatura ambiente não esconde as prostitutas próximo de sinais de trânsito à espera de um cliente que lhes acene com notas para matar a fome ao filho, à cadela, e lhes permita encher o roupeiro de vestidos da feira. As ruas estreitas e sinuosas do Porto têm um empedrado por alcatroar que é sempre complicado de calcorrear, para além da falta de sinais que nos orientem para a majestosa Casa da Música: um cubo mágico criado por Rem Koolhaas. Apesar de imersa na noite ilumina-se através da lua pendurada criativamente no céu, delineada pelas mãos de deus. Sorte a nossa que de olhos bem abertos não a vemos como ela é, mas como parece ser: sagrada, circular, o centro de um palpitar que se aproxima do caos. As escadas para entrar na boca da Casa da Música está repleta de pessoas perfumadas com as fragrâncias tépidas de um Verão que se espera épico e radioso de luz que nos perfure a íris e nos transponha para a inexistência do nada. Trocamos os bilhetes por pulseiras brancas com a inscrição “Clubbing” patrocinado pela “Optimus”. No bar é um castigo para pagar uma bebida, sentar outro, circular pela Casa é o melhor que se pode fazer, as paredes ondulares e envidraçadas e o chão de metal remete-nos para um lugar por criar, apesar de existir, a sua não-existência confere-lhe um valor inigualável. Num janelão está Álvaro Costa o radialista da TV e do Futebol Clube do Porto, a discorrer sobre os blues, “antes do mais o que acham do nosso novo espaço?”, “é giro não é?”, ao que parece o radialista tem residência fixa, poderia-se abrir o leque a outros estudiosos? Ouvir sempre o mesmo ego-raciocínio é monótono e entediante. Os cabeças de cartaz são os Jazzanova, que atraíram para a sala Suggia uma potente armada de portugueses, que aplaudem Paul Randolph, um afro-europeu que viveu parte da infância em S. Paulo: “I just have to say: eu tenho saudades!”, dirá quase no fim. O colectivo é composto por piano, precursão, Dj, bateria, duas guitarras, o baixo fica a cargo do cantor e um par de metais que por vezes se inclui uma flauta de bisel que empresta pormenores exóticos aos Jazzanova. O problema reside quando a banda se aproxima muito de géneros musicais ditos do “mundo”, nomeadamente o samba, a rumba, que são apresentados como meros clichés e não como algo novo, o que é uma pena. Contudo, quando se limitam a seguir o beat sincopado saído da mesa do Dj, a voz de Paul Randolph ganha contornos fantasmagóricos acompanhada por uma gestualidade sexy, e os metais solam como se fossem rouxinóis amestrados por James Brown, é a hipnose total, que leva os corpos a bambolearem-se dentro de vestidos negros e calças justas que cobrem pernas magras e longas calçadas em saltos altíssimos. “How do you feel?”. Good? Há umas escadas rolantes que nos levam para a Sala 2, apoiada por um bar com vista para a rotunda da Boavista, para onde se encaminha Rui Reininho, pouco lhe importa o metal dos anos setenta praticado pelos Black Bombaim e de facto nada a criticar à atitude do Rei ou haverá? “Montra”, é o hino que vai desequilibrar este ano as ondas hertzianas por duas razões: explana a futilidade do nosso tempo e a sua fugacidade: “Tu e eu não vamos ser mais do que reflexo numa montra que nos viu passar”, “passar” ecoa dez vezes. Balla veste de fato preto como se estivesse na sua sala Suggia, e nós os seus convidados incapazes de ultrapassar a sua eloquência e elegância. Mesmo que o segundo tema seja euro-disco e o seu pedido seja complicado de satisfazer, “insiste no meu nome”. “Parece que ensaiamos para esta noite”, contrariamente à histeria em relação aos Jazzanova, o público está sobriamente a usufruir o rock-pop com alicerces nos Heróis do Mar, “sei que te vou sentir/quando espreito o teu nome”. “Vamos voltar à ´Grande Mentira` :´Fim da Luta`”, é uma luta em que o toureiro não sabe se irá matar o touro na arena ou o irá deixar para os currais, como é prática neste país, há sangue mas e o corpo? “Vamos voltar ao último álbum: ´Equilibrio`”, pop-dramatica, “não deixes sombras”. “mãos”, beat pesado, dance, dance! Dance!

Clubing=Jazzanova, Balla, Black Bombaim, Álvaro Costa, 15 de Dezembro, Casa da Música @ Porto