A noite está estática. O vento não cala a desgraça e a trova não passa, a poesia é um bem que serve para esvaziar o espírito do drama do sentir, seja ardentemente e perdidamente ou desplicentemente. Aveiro está parada, os burgueses estão nas suas casas, próximos do aquecedor, a ler o jornal ou a deitar as crianças, amanhã é dia de trabalho, o futuro dita o presente. Porém, há pequenos grupos de pessoas que se deslocam para o Teatro Aveirense, onde a americana Joanna Newsom marcou encontro às vinte e duas horas. Chega atrasada, depois de termos que ouvir um bardo escocês, ela enverga um vestido vermelho com bolinhas pretas de alças cintado à cintura fina, que a cobre até aos joelhos e desnuda as pernas depiladas, os pés calçam saltos altos brilhantes. Senta-se junto à harpa, sorri, e dedilha-a com as suas mãos de criança, em “Bridges and Balloons”, a sua interpretação é suave: “and I can recall”, a guitarra surge como apontamento, “the side of bridges”, a voz ganha profundidade, “oh, my love! Oh, it was funny little thing, to be the one to see”, “funny little thing”, a bateria surge como pontuação final que não impõe parágrafo. A bela Joanna Newsom, eventualmente teria sido modelo de Lewis Carroll, que deliraria com as suas tranças louras e rosto redondo com maquilhagem, que realça os lábios e os olhos, uma mulher com silhueta de menina é uma extravagância da natureza. Joanna apresenta os companheiros de estrada, na sua esquerda o baterista, de fato anos cinquenta, de seguida o trompetista, as duas meninas dos violinos e por fim o homem das cordas (guitarra, banjo, etc). “Have one on Me”, tem uma partitura em que a conjugação das harmonias parecem dispersas, e surgem para sublinhar a narrativa de Joanna, se supormos que é desconstrutivista terá sempre que ser em simultâneo o seu oposto. O falseto varia conforme o dramatismo que as palavras conferem, “so far away”, tempestade, “in the night”, “stay away”, “so long”. Por vezes o canto é fundo e trágico, para sublinhar estes factos os violinos e o banjo intervêm: “He suck it”, “I can see”, os agudos das cordas impõem-se, a voz irrompe: “Wait for him”, “the machine is wrong”, a trompete e a bateria são como membros do coro, e os estilhaços são reunidos através do falseto de Joanna, muito próximo ao de Kate Bush: “EEEEEEEEEEEEEE”,”OOOOOOEEEEE”. “You and me alone”, parece um quadro de Balthus, “carry on your heart”, falseto: “AAAAAAAAA”,” in your heart is all that you need”, a flauta assume-se como uma referência campestre. A travessia continua: “Help me on”, a banda toca simultaneamente e parece que se avizinha o fim do segundo tema, falso. “Help me as a child”, “but you open your arms on the wind”, falseto: “EEEEEEEEE”, “OOOOOOOO”, “OOUUU”, o ritmo marcial não finaliza a canção, com as violinistas a serem as coristas: “OOOOOOO”. Voz e harpa, “black”, “and I felt so bad”, “I didn`t now how to feel bad”, são angústias de adolescente mas saídas da boca da Joanna transformam-se em confissões íntimas. A norte americana abandona a harpa e senta-se ao piano de cauda, é acompanhada pelo violino, e o falseto é um chamamento, “We can rest”, “easily”, “blessed!”, “No one now where it comes”, “by the river”, “then the river made in to the night”, blues pejado de caracteres classicos, o bombo da bateria estala, “easy”, “honey you please me even in your sleep”, “hold you”, “I want to be taught”, “In late night”, a banda acompanha o andamento mas aparentemente cada um tem um tempo próprio, o coro das violinistas leva-a de um dramatismo épico. “AAAAA”, “blow me”, “AAAAAA”, “OOOOOO”, “AAAAA”, “I can´t live longer”, “easy”, “easy”, “you must not feel”, “you must need to see me!”, “EEEEE”. A harpa é de novo tomada de assalto, mas parece que é irmã do piano, já que a referência é o blues e a voz aproxima-se à da Joni Mitchell, o tema denomina-se de “You and me”. O trompete acompanha Joanna “down to the beach”, Lalalalalalalalalalalalala”, a banda sublinha o caracter da canção, “stay for the winter”, “my home”, “you realise too late”, “lailailailailailai”, trompete, “lailailailailailai”, trompete. “How do you think you are?”, “I`m glad that she came”, “lalalalalalalala”, “lalalalalalalala” com toda a banda, excepto a bateria, a rematar a canção. À quinta música “Inflammatory Writ”, a banda acompanha Joanna ao piano, num canto nasal, grave e fantasmagórico, se fecharmos os olhos ouvimos uma velha num ritmo blues-folk. “Soft as Chalk”, ao piano, “so far away”, “When time?”, falseto agudo, “No time”, “I have all the time in the world”, “say honey”, “tell me honey”, “After you are death”, guitarra eléctrica, “over me”, “I think”, “and I feel”, pandeireta, a banda imerge num breve instante. Joanna ao piano, é acompanhada pelo banjo, pandeireta, “OOOOOO”, falseto, solo do piano, banjo, a canção poderia ecoar num saloon de Nevada de onde a cantora é originaria: “Wishing you well”, “Waiting”, “carrousel”. “This is a beautiful town, I like it here”, sorri, este é predominantemente nervoso. “Monkey and Bear”, coro das violinistas, bateria, voz, violinos, banjo, trompete, “until we read the open country”, “common there`s my darling”, “turn to dust”, “oh! Darling”, “there`s my darling”, “my darling”, “finally”, a narrativa musical é muito próxima à de Sergei Prokofiev em “Pedro e o Lobo”. Todos os instrumentos excepto a bateria ressoam, “but still you have to play the bell”, “monkey say”, “for the pleasure of the children”, “their`s a place”, “oooH darling”, “my darling, being my love”, “you steal”, “monkey”, com o andamento da banda a subir gradualmente até atingir o caos, a voz percorre obliquamente a escala: “How”, violinos, harpa, trompete, “Sooooooooon youuuuu”, “LAlalllalaaalallaLLA”. “Good Intentions” é o nono tema, e de facto é o mais complexo nas diversas vertentes: harmonico, ritmico, melodico. Joanna regressa ao seu primeiro instrumento, no que diz respeito à aprendizagem, dedilha o piano e canta como uma mulher que já conheceu muitos homens que a fizeram feliz, mesmo que tenha sido através de um olhar fugaz. Mas está “alone”, “before”, “and it`s my home”, folk-pop, palmas arrebatam a canção para a festa, a bateria tem o ritmo da sincopia, “lonely, just open your heart”, coros, “good intentions”, “darling”, “darling”, “do you love me?”, palmas, bateria, violinos, “fall a sleep”, “but after the rain”, “lonely”, “the same”, “and the rest of the gang”, “in love with”, “everyone is”, solo da trompete, a banda num ritmo lento, quase funebre, “top of the game”, “but it can make you”, “OOOOOO” grave, trágico: “True, you can`t remember my own name”, “OOOUUUUUUUUUOOOO”, “OOOOOUUUUUUOOOO”, trompete, solo do piano, solo prolongado do trompetista em pé. No penultimo tema Joanna retira da harpa acordes soul, e um desejo de uma adolescente que nunca abandonou a infância: “So good to be old”. Joanna e a banda ausentam-se, por instantes, ela regressa segura, bela, silhueta de fada ou anjo que se apaixonou pela vida mundana e desenvolveu uma sensualidade inebriante, sublime, um diamante que dispensaria facilmente todos os seus colegas de palco, mas assim seria monótono, mesmo que os outros instrumentos sejam elementos que instituem o ruído, contudo, através da antítese a beleza é o epicentro do Mundo.
Joanna Newson, 25 de Janeiro, Teatro Aveirense @ Aveiro
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