A noite está amena, o rio Douro encaminha-se para o mar como se fosse uma substância ilícita, por entre a qual as lampreias sobem para desovar para depois voltarem à origem onde irão morrer. O condutor conhece as ruas estreitas do Porto como se fossem as suas artérias e a angústia de um eventual desvio, que nos poderia custar o jantar, desvanece-se. A Casa da Música apresenta a segunda edição do ano do Clubbing, como cabeça de cartaz Peter Hook conhecido por ter pertencido aos Joy Division e aos New Order. Enquanto esperamos próximo de um dos bares, por amigos que já deveriam ter comparecido, Rui Reininho está à porta vestido de blazer verde-claro e calça da mesma cor, mas mais escura. O Rei condecora a Casa da Música com a sua presença nesta noite festiva, e este galardão é de todo merecido. Seria interessante aproveitar a presença do Rei, para Lhe conceder um espaço onde pudesse analisar performances de outros músicos, ou, entrevistar figuras com as quais escreveu a história da música pop, há inúmeras possibilidades que podem ser exploradas de forma a não se sobrepor ao intelectual da rádio e da TV do futebol, Álvaro Costa. Este discorre, como faz sempre, isto é: rapidamente e superficialmente, sobre o trabalho videográfico do fotografo holandês Anton Corbjin. Autor da última fotografia aos Joy Division, sobre a qual há quem alegue que era premonitória, já que os músicos encontram-se de costas e deslocam-se no interior de um túnel, o único que olha para trás é Ian Curtis. O rosto do compositor e cantor é branco-mármore mas tudo à sua volta é predominantemente preto, e a luz que emana do túnel, é a intermediaria entre o presente e o além. Esta simbologia bíblica perpassa a obra videográfica de Anton, que ao transformá-la como o seu principal eixo comunicante, pretende atingir o inconsciente, já que o senso comum é susceptível a este discurso, porque o reconhece como familiar. A sala Suggia está repleta de cores negras de todas as idades, que estão sentados a ouvir os Gala Drop, estranha escolha para fazer a abertura a Peter Hook, pois o colectivo português incide sobre um prog-psicadélico, repleto de tiques jazzisticos, se estes fossem mais expressivos talvez o concerto fosse menos monótono. Erguem uma bandeira negra, sobre a bateria, com gráficos lineares que se distorcem no centro formando montanhas, no topo consta a inscrição “Unknow Pleasures”, sob o gráfico: “Manchester- England”, a localidade e o país de onde Hook é originário. Quando a primeira canção é executada, ainda se dá um desconto à falha constante da voz, mas o segundo e terceiro tema acentuam a deficiência oral por parte de Peter Hook, que está acompanhado por um guitarrista genial e um baterista tão perfeito quanto o original. Ao sétimo tema as pessoas tomam de assalto a parte da frente do palco, e Hook perde a voz, é incapaz de se abstrair da presença do público e expressar-se através das palavras escritas por Ian Curtis. Após o seu suicídio a 18 de Maio 1980, poucos dias antes de embarcarem na primeira digressão americana, os restantes elementos decidiram prosseguir, mas tinham dois dilemas: mudar de nome, e conseguir um outro vocalista. Mudaram para New Order, acentuaram a carga electrónica que era apenas um pormenor imposto pelo produtor Martin Hannett, e após fazerem uma audição às capacidades de cada um dos membros dos New Order, optaram por Bernard Summer. Enquanto oiço Peter Hook a esganiçar-se, a levantar o braço direito como se fosse o ponteiro de um relógio, percebo o porque de ter sido preterido como front-man, o seu lugar é de side-man, a sua voz é o baixo e quando este sola ouvem-se pontualmente os Joy Division. Peter Hook ao encetar esta digressão que marca os trinta anos da edição de “Unknown Pleasures”, sem fazer qualquer menção oral sobre os seus colegas, inscreve-se no grupo dos mortos-vivos, nos quais tem a companhia dos Big Country, Thin Lizzy ou INXS, bandas que perderam os seus lideres e que optaram por recrutar um cantor para prosseguir a sua carreira. Após “Love Will Tears us Apart”, já as outras salas estavam encerradas, a única opção é subir ao Restaurante que se transveste de discoteca e a música é debitada por Dj Kitten, com forte pendor electro, algo que anima a fauna onde circulam algumas pérolas negras, são as mais raras, mas a mais complexas de atrair. Para aceder ao pátio, há um túnel de luzes néon brancas, o chão é a preto e branco, podemos ver a rotunda da Boa Vista e toda massa urbanística que a rodeia, e quando se olha para o céu sobressai uma estrela: Curtis, Ian.
Clubbing= Álvaro Costa, Peter Hook, Dj Kiten, 26 de Fevereiro, Casa da Música @ Porto
-
A veia é espetada por uma agulha grossa e o sangue é consumido por uma narrativa violenta do Conde Lautréamont: “Direi em poucas palavras co...
-
E se durante a manhã o nevoeiro apague o rosto maquilhado a pó de terra e se a chuva se retenha no seu rosto e o manche de lágrimas colorida...
-
Vivencio uma daquelas tardes de Setembro em que o calor é algo ténue e por essa razão efémero. No palco da Praça da Canção em Coimbra a ensa...