É possível que às 00h30 suba ao palco a alemã da Alemanha do Leste, Nina Hagen, que é oposto à Ângela Meckel. Hagen jamais apertaria a mão de um homem snob. Entregam-me o jornal Blitz, à entrada uma mulher jovem e vistosa uma chama ou um raio, quem sabe? Iggy Pop, no Alive 11, com os Stooges a banda que o formou, mas posteriormente obteve o doutoramento de David Bowie, que o acompanhou como músico de palco numa digressão no final da década de setenta. Passa o Rei para o bar contíguo ao palco dois, onde tocam os Aquaparque, dueto esforçado, repetitivo, chatos, pretensos minimalistas, vegetas. Sujam-me as calças de cerveja gelada servida em copo de plástico, no bar transparente com mulheres belas a pontuar o espaço lunar, muitas louras, altas, baixas, vestidas de bonecas de banda desenhada. Recordo o acto dos GNR num aquaparque de Albufeira, no início dos anos noventa, a mandar todos os bêbados “para a piscina”, e esta tinha ondas artificiais. Comemoram-se os trinta anos de “Portugal na CEE”, uma promessa amarga: hoje temos todos a quarta classe: “Na rádio na TV, Portugal no BCE”. A entrada para a Sala Suggia está entupida, e são 00h20, há muita ansiedade no ar, “eu sou uma coelhinha”, fico perturbado com tanta volúpia. No Clubbing a Sala Suggia alberga mais do que as mil pessoas legalmente estipuladas, muitos estão de pé, mulheres que eram jovens, quando nasceu o fenómeno Nina Hagen, que atrai professores ou o Paulo Azevedo. A sala aplaude histericamente a entrada em palco da provocadora alemã, tem um vestido preto com folhos brancos, sob o qual constam calça de licra, salto-alto de travesti. O seu rosto parece uma mascara de tanta base branca aplicada heterogeneamente, inerentemente uma bifurcação. Os olhos e a boca sobressaem naturalmente, “Personal Jesus”, é o representante mais sublime de duas horas de espectáculo, sobressai o groove do baixo. Acrescida de comentários diversos no fim: “Thank you Portugal! It´s so good to be here, in this beautiful Portugalo!”. E evoca: “Japan disaster, I`m not the same anymore”, “spirits in the sky”, “in Worldwide World”, que é retribuída com aplausos. O segundo tema já pronuncia um mal corrosivo: espreita um bandolim libertino que namora o country, “on you”. A versão de Seal, “Killer”, apresenta um baixo possante e um groove explosivo, e a movimentação de Hagen, explora o conceito abstracto de animal de palco. Passa pelo industrial, com os clichés necessários para ser estanque, para um rock and roll de bar de alterne. A sexta canção é apresentada como “Agaist all evils”, slow soturno, “flesh”, voz grotesca, a partir do meio é repetitiva. E o discurso vale a pena memoriza-lo: “Stick together”, assim combateremos “Nuclear Disasters”, “social path”, “psycho path”, “secret society’s”, “I really hope to turn this game around”, “Portugal!! I LOVE YOU”, histeria. À sétima o desastre, hard rock, vale pela atitude de Hagen: atira o microfone para o chão, pausa, “1975”, “sorry to fuck up! But now I´m happy with my new micro!”, “east Berlim, 17, someone came from Poland”, começam a emergir os clichés estilísticos, hard-rock. Hagen: “Every place is good to pray! I `m so happy to be a human being. I could be a cow or a snake. But I`m a humain being”, uma constatação que me leva à vertigem da filosofia de alcova. A canção é um slow, a beleza recai sobre Hagen a dançar como uma lágrima de heroína sobre a prata à brasa do isqueiro Bic. A partir desta canção os apontamentos escasseiam somente se poderá explicar pela versão acústica-country de pelo menos oito canções, durante as coisas Hagen esqueceu parte das letras e à sua voz falta-lhe timbre melódico, não que seja defeito, mas nela parece postiço, típico romance decadente. Abandonam o pântano para meterem três drogas ao mesmo tempo: pop-rock-clichet. A nossa narradora continua a fazer às contas à vida, não esquece a guerra fria alimentada por figuras como “Kennedy”, “idiots”, “too visible”, “testing” , “We must tell them= Peace!”, “United Nations”, “spray in red heaven”, “once you say NO!”. Segue-se um slow de pipe show, a voz falha mas a expressão corporal ganha a atenção dos presentes, “My Way” é antecedido por um tema blues-soul. “My Way” procura ser tão drogado quanto o Sid Vicious, uma baixa na pobre artilharia punk, mas ficam-se: “did my grave”, falha a voz e mete a cabeça do microfone, que se encontra no tripé na boca como se pertencesse a um pénis. “Remember the 70s”, “remember Nick Drake?”, e aparentemente canta, apenas entoa. “Justice and Peace”, uma mulher do público encavalita-se, à frente do palco, nos ombros de um cúmplice, atira beijos à Nina, abana os braços e a revolução começa. No tema seguinte uma tia sobe ao palco, beija Hagen, é o torpedo que jamais sairá dos submarinos, a nossa lança em África. “No nuclear flames”, mais um anúncio de Hagen, a delirar com catástrofes nucleares como Chernobyl. “Riders on the Storms” é apresentada de forma hipnótica, com blues subtil do baixo, que sempre que sobressai (apenas três vezes até ao momento), reduz um excelente músico a um mero elemento presencial, uma pena: “don´t be afraid”. Que é destruída da nossa memória com duas músicas punk, a querer ser ainda mais punk, elevado grau mimético mas que o tempo anulou. As luzes acendem-se, os músicos juntam-se na boca de cena e recebem uma ovação, que jamais daremos à Ângela Merckel. Hagen, resiste à saída, aceita beijos, capas de disco para autografar, fotografias, ri, ri, e abandona o palco.
Clubbing=Aquaparque, Nina Hagen, 19 de Março, Casa da Música @ Porto
segunda-feira, 21 de março de 2011
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