terça-feira, 31 de maio de 2011

Electric Blood

Vítor Rua está a deambular pela sala Arte À Parte, numa rua contigua ao Quebra Costas, em Coimbra, afogada num silêncio soturno e nocturno Sábado. Sobe ao palco Vítor Rua, sustém uma guitarra eléctrica de oito cordas, está descalço, acaricia as cordas prolongando o som como se fossem ondas de um mar tépido à beira do Equador. Um lampejo agudo, é o inicio de uma tempestade, à qual se juntam mais agudos repetitivos, sobre estes a percursão que com as mãos Vítor Rua desfere ao longo da guitarra. O som do mar mantém-se sob os agudos, Rua segura um pente de metal coloca-o sobre as cordas e o som é o picado da agulha num vinyl velho ou início da transmissão da TV a preto e branco. Arrasta-a sobre o braço da guitarra evocando arranhões sobre o metal, usa-a como elemento de percursão pela guitarra. As mãos acalmam a demência que estava e pronunciar-se, a mão esquerda segura as cordas a direita estimula-as, ambas passam continuamente sobre o braço da guitarra. Com a ponta dos dedos sobre as cordas, esfrega-as, provocando sons díspares agudos, a mão esquerda e direita batem nos graves, a mão esquerda bate sobre os agudos. A mão esquerda segura um objecto que toca sobre a escala do braço da guitarra, o objecto funciona como percursão variando acidentalmente e incidentalmente. O pente de metal é aplicado sobre as cordas remetendo para sons incidentais e repetitivos, a estranha surdina retira-lhe ritmo e em seguida aumenta em altura, com o pente de metal a provocar sons agudos, como uma invasão de milhares de Esidore Ducasse. A percursão é semelhante à que deu início ao concerto, as mãos no corpo da guitarra aumenta gradualmente a altura e a velocidade, a mão esquerda toca nas cordas, a direita rasga-as, viola-as, rasga-as, viola-as, rasga-as, viola-as, rasga-as. Mantém-se a percursão, e a repetição de viola-as, rasga-as, viola-as, rasga-as. Anula o eco recorrendo a um dos pedais. E encaminha-se para um suave e perturbante detonar da percursão, Vítor Rua olha para a sua pedaleira e vê-se desligado da corrente eléctrica e em surdina: “Será que vai voltar o som?”. Percursão sobre as cordas da guitarra, a mão esquerda segura as cordas a direita bate nestas, proféticas marteladas sobre um crânio, insere a precursão como loop, Vítor Rua desfere um solo distorcido e agudo, a percursão desparece, solo rock and roll, anula a distorção e toca incidentalmente sobre as cordas, aumenta em altura e o ritmo, e o solo que recria aproxima-se a um flamenco com ácidos. Desaparece o eco da guitarra, e a sequencia é de uma métrica minimal, mas explicada em segundos, que insere como loop, e irrompe com um solo rock, em que as notas são dedilhadas de forma lenta mas agressiva, um potente punhal ou cruz. Ámen. Solo funk-progressivo. Vitor Rua acende a luz do seu relógio. Coloca a guitarra sobre o chão alcatifado, a métrica minimal é introduzida, mete as mãos nos pedais e corta a progressão. Com as mãos nos botões do sampler, insere sons de sirenes, como se fossem carros de choque bêbados a querer entupir o trânsito, a altura eleva-os ao grotesco da distorção. Ovação. Vítor Rua: “É irrecusavel!”. E coloca o pé direito sobre as cordas da guitarra a tentar transferir o sangue eléctrico para o interior de Vítor Rua.

Electric Suite, Vítor Rua, 28 de Maio, Arte À Parte @ Coimbra