Noite quente de Inverno-Verão as estações andam travestidas de abstracções inseguras que levam a fé a torcer pela chuva. O Beat Club está imerso numa selva torrida, que faz o corpo derreter-se em cada minuto do penúltimo concerto da vida dos geniais Tiguana Bibles. A primeira canção é numa vertente maioritariamente Spaghetti western, com a guitarra de Torpedo a pronunciar-se através dos agudos procurando responder à de Augusto Cardoso, sobre um ritmo contínuo. “Hello, it’s fucking hot in here! ´Against the law`”. É a canção de uma delicadeza exuberante, com a voz de Bunny Lake a impor-se como o elemento que a cobre com uma melodia doce: “I found myself under the killing moon”, a banda segue a voz de Bunny Lake: “crush my body against the wall”, e quando deseja é sempre “soon”, e o desejo é asfixiante: “can`t wait any more”, as guitarras continuam o seu diálogo como se fossem dois membros do coro grego, mantêm-se expectantes: “it`s against the law this kind of love”. A incerteza e o medo de se ver vilipendiada por um sentimento que era uma ficção até ao momento , “The way I`m feeling about love”, síncope imposta pela bateria, “wrooong”, “up side down”, por vezes divide-se num outro microfone de onde sai uma voz compassada e máscula: “out of control”, languidamente: “it`s against the law”, a partir de “love”, o ritmo acelera e os solos de Torpedo e de Cardoso esquartejam-se intercaladamente e continuamente. Bunny Lake, no centro do palco, como uma estátua que luta para incutir nos ouvintes o amor: “it`s against the law”, “I`m feeling about love”, “I`m feeling about love”, “I`m feeling about love”. “Fuck me! This next song is called ´Rebound`”, a bateria através dos bombos insere o ritmo vibrante típico da pólvora seca, solos das guitarras a imporem a desagregação do equilíbrio ou deste ser promovido a partir de alfinetes a perfurar a carne macia, “street”. Bunny Lake levanta o braço esquerdo à altura do ombro, e a lamúria é um convite a ouvi-la: “stop this rebound”, a guitarra repete os acordes do refrão sobre a síncope dos bombos, “rebound”, “I can`t stop this rebound”, “I can`t stop this rebound”. “I have no interest in stories that I haven`t been told in books”, despe o casco de lantejoulas e releva um macacão preto com decote exuberante. Break da bateria com as guitarras a verter uma lascívia próxima da protagonizada por Johnny Marr pontuadas pelo travo trágico de Jonny Cash: “Why can I say it`s all in the books”, “I don`t care anymore”, “Their`s no escape in my life” entrecortada por um solo de guitarra que sobe a escala para fazer o mesmo movimento no sentido oposto. “Anymore”, “the words you say”, “I don’t care anymore”, “in my life”. “All can be a little more closer. He is [Panda, o homem do baixo] still in the fifties, it`s like Sting. Dirty ladies”. O ritmo é acelerado, “playing with the devil”, com a voz de Bunny Lake com os agudos mais fechados a adornar os “ing” , com a angústia: “working for the devil”, “apart”, “I don`t now”, solo ominipresente de Torpedo, sobre os breaks da bateria, “on my mind” (eco), a partir deste momento o Marr e o Cash fundem-se como ácido num copo de champanhe bruto. Bunny Lake, bebe água: “It`s fucking poison! I drink a lot of alcohol, It gives me a personality . It´s our first concert here and the last one”. Bateria sobre a qual a guitarra descarrega uma energia electrostática: “their`s one way to get me, you have to fall into my world”, guitarra, bombos, ritmo rápido, “heart to follow”, “waste all the time”, “tender eyes”, “please stay”, a certeza de uma mulher que deseja o desejado: “everything's gonna be all right”, o ritmo aumenta e as guitarras deflagram como se fossem tochas a verter chamas sobre os nossos ouvidos: “you have to fall into my world”, mexe o braço esquerdo e dança ao ritmo da sua prece: “out”, “work it out”, breaks vêem ao de cima, solo de Torpedo, “heart to follow”. Bunny Lake treina o português útil: “dá-me um cigarro por favor”, é socorrida por fãs sequiosas de lhe acender o vício. E a incursão pela língua latina continua na canção: “Meu amor”, com baixo de Panda a delimitar as fronteiras onde se inscreve um slow doentio não fosse cantado pela voz tropical de Bunny Lake: “I can`t get you out of my house”, o ritmo passa a binário, “you”, “AAAAA”, Bunny Lake senta-se e cruza as pernas, Augusto Cardoso abusa a melodia grotescamente, ao injectar um teclado travestido de tremelin, e por consequência os outros instrumentos ficam conspurcados com a sua súbita presença e transformam o Beat Club num baile de finalistas de cadáveres. O ritmo aumenta pontualmente, “meu amooor”, “don`t tell me, meu amoooor”, “I`m swimming in your sea”, “YOUR”, “oOOOO”, “you”, “you”, guitarras e bateria: “AAAAAA” (doce). “AAAAA” (doce). “AAAA” (doce). “AAAA” (doce). “Muito obrigado! So sorry I`m smoking! I love to smoke indoors. There’s nothing like this anymore in Britain”. A bateria abre espaço para a entrada da guitarra de timbre agudo, “misery”, pop-billy, “angles”, “words away”, refrão é quase explosivo: “just big explosions”, Bunny Lake abandona o palco e desloca-se por entre o público, como que a querer espalhar a sua explosiva sensualidade e desta forma impor-se à memória. “WE ARE EXPLOSIONS AND WE ARE BREAKING THE WALL, WE ARE EXPLOSIONS AND WE ARE BREAKING THE WALL”. “Fuck! Seriously I don’t understand why Madonna can sing for two hours! Right back to the start... I would like to dedicate this song to Jimmy and to dead Paul”. Palmas. “I want you far away from me”, “of my own”, “cigarretes”, ritmo 2x2 que com o baixo formam uma síncope angustiante, merecedora de um mergulho no ar no sentido da profundidade onde os micro-organismos impõe a sua natureza, as guitarras respondem com violência sanguinária. “Run, run to her town”, o convite é feito através de uma voz de veludo, que nos abre a porta para o precipício proporcionado pelo nada, “my tears won`t last”, e o seu convite à nossa fuga para “to see her”, e a resposta à sua solidão: “my heart only now”, descarga das guitarras com a de Torpedo a realizar um solo que sobe e desce a escala lentamente: “my tears won`t last”, o ciúme de Bunny Lake pelo ex-amante, “press on her”, “my body”, ele “you say to her”, “to me”, o convite à ordem: “Run, run to her town”. “I’m jealous of Portuguese girls: best skin and hair, and you don’t sweat”. A canção seguinte leva as portuguesas que se encontram na primeira fila do palco a dançar, à procura do primeiro pingo de suor que as suas peles brancas possam exalar. Proporcionado pelo ritmo rápido e pelos acordes das guitarras intercaladas em contínuos agudos, “close your eyes”, “soul”, “special”, “out of this world”, “soul”, “inside my soul”, solo de Torpedo resposta de Augusto Cardoso, “close your eyes”. Bunny Lake canta por entre o público, procurando “in your soul” alguma ordem num caos “you can see” eventualmente “heart in your soul” num “world” imaginário “artificial” como “heart of soul”, “love from me”, trágico: “inside my soul”, “inside my soul”, com as vogais cantadas de forma prolongada para nos levar para o fundo. A próxima canção é dominada por acordes puramente pop, mas há um senão, a tensão com que as guitarras libertam os acordes, de um teor sónico-épico e o refrão não poderia ser menos apropriado para sair de um transistor habituado a jogos de futebol: “sick of the world”, que envenena a canção: pop-sick, “soul”, os acordes da guitarra abrem espaço para a voz: “try”, solo de Torpedo a repetir as notas doces do refrão, 2x2, voz: “I want to tell you”, “I`m gona tell you the reason to cry”, “I`m sick of myself”, “hearts made of stone”, “mine”. O teclado leva a canção para uma introspecção insperada mas que gradualmente a afoga num lodaçal: “AAAAAAAAAAA”. “Ok! Last song”, segundo Bunny Lake: “Doors song with a help of The Beatles”, bateria, guitarra pop-rock-billy, “your heart against the wall”, e as ordens virão da determinação de Bunny Lake ao impor: “new orders will come from your heart”, que incendeia a plateia disposta a seguir os Tiguana Bibles para longe deste Beat Club. Voz + teclado fúnebre por contraposição à doçura tímbrica da deusa de um filme de Lynch onde a protagonista se revela numa outra personagem sempre que ouve no seu interior o eco do sintetizador de igreja que do vinho fez sangue.
In Loving Memory of Paul Hofner, Tiguana Bibles, 10 de Março, Beat Club @ Leiria
terça-feira, 13 de março de 2012
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