Os quatro músicos estão sentados, enquadrados no cenário natural do Salão Brazil, constituído por paredes iluminadas, poderiam ser escaladas por uma mente presa a um dogma ou ferida por uma obsessão. A guitarra acústica, é de teor dramático, a precursão infantil, a voz grave detém o poder da perseguição: “I`ll be back for you”. A soul surge como uma assombração e o violino encaminha-se para o country, “far from”, “I wonder you”, o violino passeia pelo campo urbano, diminuem a altura, “my sun”, o súbito 2x2 revela: “When you pass by” e o fim representa progressivamente em altura o todo: “I`ll be back for you”. Segundo tema: O piano serpenteia por uma caverna onde escorre veneno, a voz funda e grave escreve o seu diário de lamentações voyoristas: “She was dancing”, as teclas serpenteiam visceralmente, “asking”, “give me one last”. Surge o dois por dois a partir do qual o violino escurece a melodia, “trought the valleys”, violino, “for you”, violino, “go away”, violino, 2x2, “remember my hands”, “trought the valleys”, piano + bateria= “chance”. “Tinhamos 80 canções”, para integrar o último álbum dos A Jigsaw denominado "Drunken Sailors & Happy Pirates", mas apenas uma dúzia teve direito a ser editada. Terceiro tema: É um mergulho numa lama viscosa que inunda um quarto escuro, “do you remember the day?”; e a precursão infantil não é capaz de transformar uma piscina num aquário de crianças a brincar à cabra cega, “you came”, o 2x2 faz ferver o cloro e faze-las explodir. O violino assume-se tragicamente por contra posição à harmonica que lhe confere um sentido pop. Quarto tema. “Alegrias e desgostos”, “perguntavam os nativos”. A conjugação dos elementos sonoros, harmonica, guitarra acústica e por fim o violino, explorados numa vertente country, “of wine”, “close friend”. A tempestade levanta a areia do deserto e suja a Joshua Tree, “(bombo) go away”, “loose”, resposta da harmonica: “Don`t need”, 2x2, “hummmhummm”. Voz grave: “Oh! Man”, “dreams”. João Rui apresenta “o primeiro grande convidado da noite: Victor Torpedo!”. Palmas. O banjo introduz os acordes de “London Calling”, assinada pelos Clash, mas num ritmo substancialmente lento, “running”, “nuclear era”, e sem as diversas perspectivas permitida pelas dinâmicas do original. Mas eis que a bateria surge num ritmo marcial, de onde os soldados de chumbo marcam o passo para a morte que é a pátria suprema, “you can go”, “London calling”, “running”, “nuclear era”, a guitarra de Torpedo não sobrevive à devastação e o violino e a harmonica cortam os pulsos simultaneamente quando o ritmo se transfere para um eficaz dois por dois; regressa a marcha da tarola, pausa, banjo e “some of it was true”. A sexta “canção é mais animada”, entra em palco uma mulher de cabeleira farta preta, pele marmórea e lábios provocatoriamente rouges, tem os olhos rubis, a sereia que os piratas se enamoravam: Tracy Vandal. A Jigsaw ganham um estranho gingar rítmico como se fossem os preliminares entre o amante e a sua vítima, virgem, santa; a melodia é tão negra quanto a expressão do negro é concebível contemporaneamente. “You took me down to the valley”. Tracy Vandal: “Your only sister”. João Rui: “Return”. Teclado infantil sublinha a diferença de idades entre o homem, claramente mais velho, e a sua vítima, a dias de lhe vir o período pela primeira vez na vida. Tracy Vandal e João Rui: “Return to me”. Tracy Vandal: “(sedutoramente) He is my lover”, “took me down to the valley”, a sua língua sussurante: “OOOOOOOO”, solo de guitarra. João Rui: “(grave) To me”. A prece do amante: “My hands are up in the sky”. Ele: “Return”, a acompanhar um amenizar gradual do compasso. Ela: “Return”. Ele “Return”. Ela: “Return”. Tracy Vandal: “To me”. João Rui: “To me”. Tracy Vandal recolhe risos do público, através da sua falsa lamuria: “I don`t understand why we never finish at same time”. As palmas marcam o ritmo da sétima canção, e o orgão serve-a como um tapete voador por onde surfam as almas cansadas da vida, a correnteza de um leito: “I hear something down to the river”, que corresponde a uma encosta empreendida pelo banjo que é dilacerado pelo violino, as palmas marcam o pulsar de um corpo em vias de estrebuchar. João Rui e Tracy Vandal: “From me”. Palmas. Tracy Vandal (no imperativo mascarado de sedução): “Come Back”. Coros: “To me”. Os bombos acompanham as palmas e o violino responde: “Turn the sting away from me”. A entrada em cena de Kalo e Calhau, “Bunnyranch”, transformam o oitavo tema numa distinta métrica Rock and Roll, a prova são os violentos breaks da bateria e a contenção e elegância do baixo, que o transfere para os outros instrumentos, maioritariamente acústicos, colonizando-os. O nono tema, corresponde estruturalmente ao anterior, com a harmónica a consignar-lhe uma perspectiva rural, mas comparativamente com o precedente, é executado de forma contida, como um corpo em vias de vomitar mas incapaz de libertar-se da massa fermentada pelo estômago durante uma overdose de heroína. João Rui: “(fundo/grave) I have been hidden from the Devil”. No décimo tema, o narrador dramaticamente encaminha o público para as “darkness”, onde é possível “collecting dreams”. A Jigsaw sublinham a ténue fronteira entre a vida e a morte, pausa, a guitarra acústica desalinha da soturnidade exposta, (2x2), “yes you are right to be afraid”, “darkness”, “alone”, a tarola acompanha-a, “eyes”, “me”, “black”, “dying”. À décima primeira canção, é o banjo que é o construtor da melodia, com a tarola a manchar a sua destreza metálica, quando o bombo ecoa é um “dream”, mas o banjo mantém a sua pulsão sanguinária: “from the butcher”. A voz do além ou para o além: “run”, “to the house”, “to the hills”, surge a interferência do violino, que lhe confere uma falsa leveza pop-country. “Trees”. “Behind the old trees”. A Jigsaw estão a realizar no Salão Brazil, na baixa de Coimbra, “a festa dos treze anos”. João Rui chama ao palco: “Uma das minhas influências”, o guitarrista Augusto Cardoso. Os seus acordes metricamente dedilhados perturbam o órgão fúnebre, o primeiro é o precipício de um desfiladeiro constituído por lâminas de barbear, o orgão a presença impune de Deus. Os bombos são os sinos a dobrar das torres das igrejas. “The devils are in my trail”. “Oh my! The devils is my trail”. Ovação. No décimo terceiro tema, a melodia é potencialmente pop “OOOOO”, mas a versar sobre aqueles “you kow it’s right”, que se precipitam “this`s the end of a tender pain”. Acompanhado pelas palmas do público, “right”. No décimo quarto tema intervém a guitarra como elemento agregador de toda a corrente estilística, “long”, “waiting”, “I can`t”, com a precursão a polvilha-la com obrigatória mortalidade, “enough of this life”, “yes”, com as guitarras a ressoarem com raiva contra um muro que provoca ricochete. A harmonica transpõe o ouvinte para um espaço onde soa um piano mergulhado em Whiskey, e as mulheres com decotes proeminentes seguram a saia rodada, dançam com velhos a feder a suor colado à pele castanha. “Beatiful saloon”. Pausa. “Back to the day”. Se entra pela porta a aragem de um deserto denominado Coimbra, não é somente imaginação, “play the Guitar”, “sad, sad history”, “last time we spoke”, o tempo é marcado pelo 2x2 tétrico, “train” e as escovas sobre a tarola acompanham a harmonica e violino agudo, “back to the day”.
“Drunken Sailors & Happy Pirates”, Ajigsaw, 14 de Dezembro, Salão Brazil @ Coimbra (Dedicado a Filipe Ribeiro; Sergio Cardoso; Victor Torpedo; Tracy Vandal).
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