Nick Cave and The Bad Seeds surgem no Palco Super Bock instalado no parque da Cidade do Porto com carimbo do Optimus Primavera Sound que os recebe através de uma histeria generalizada. Nick Cave veste fato de cetim preto, camisa preta, e ao pescoço tem um fio que sustém uma figura impossível de descodificar facto que se prende à minha relativa distância do palco principal do festival importado de Espanha. O ritmo pausado e a melodia que flutua melancolicamente de “We Know Who UR” induz o espectador a ouvir com atenção a voz grave mas contida do narrador da fábula. “The trees don`t care, what the litle bird sing” pertencem a universos opostos mas dependentes, a natureza respira no lusco- fusco, o final de um dia em que a melancolia se impõe como a amante suprema. “No one”. “No one”. Nick Cave canta pausadamente com as vogais a sobressaírem constantemente “the tree will stand”, o seu canto é semelhante ao de um corvo a voar em redor da cruz em forma de T: “The tree will burn” e “and you know who you are?” . A sua saliva é invadida por um veneno que nos prende à terra em pé: “No need to forgive”. “No need to forgive”. “No need to forgive”. Palmas. “Thank you very much! This is call ´Jubilee Street`” o compasso é lento mas com uma vertente rítmica próxima do blues, perniciosamente vilipendiado por uma ligeira corrosão semi distorcida. Nick Cave observa uma mulher que “had no history, she had no past”, e é vítima das “people down to Jubilee Street practice what luxury preach”. Suplica: “I do anything can you look at me?”. Senta-se no seu hammond, e a narrativa adensa-se quando canta solenemente sobre o blues convertido em acólito de um padre católico como uma testemunha ocular: “The problem was she had a black book” onde anotou o nome de cada um dos pecadores para os extorquir do seu bem mais supremo: a alma. A progressão encetada pelos Bad Seeds lança um manto negro sobre o blues “salvation”, a melodia mantém-se incólume mas o ritmo progride possesso. Nick Cave levanta-se do Hammond e enfrenta o público e dá pontapés para o vazio a acompanhar os pratos atingidos pelas baquetas de Jim Sclavunos. Cave canta pungentemente num nível em que a raiva se mistura com a dor flagrante que uma profecia tantas vezes proferida que ganhou domínio de verdade. “Look at me now”. “Look at me now”. Palmas. “I want to tell you about a girl” a voz de Nick Cave projecta as palavras agressivamente sobre um ritmo em que predominam os graves do baixo; e a bateria coloca-se em expectativa num ritmo binário que dominam como se fossem os ponteiros de um relógio que é prenúncio de frustração em relação a uma “girl” que tem número na porta “she lives in the room 29, just top of mine”. As palavras que expele Nick Cave são marcadamente distorcidas espelho da dor da rejeição a que o suicídio convida: “From her to eternity”. O piano surge dissonante a induzir à vertigem que a morte convoca, “cry” dito de forma violenta como se cada lágrima fosse ácido corrosivo a escorrer sobre o rosto de um homem de barba rija. A bateria cor-de-rosa de Jim Sclavunos sublinha os versos assumindo a vertente decompositora do inconsciente, quando Nick Cave range “to her to eternity” encontra-se na linha da frente a apontar com o indicador sobre o público como que a acusa-lo da sua cumplicidade e consequente impiedade perante o desespero autodestrutivo do cantor australiano. “Crime”. “AAAAAAAA”. “From her to eterrnity”. “Red Right Hand” é composta pelos teclados a susterem a melodia negra impregnando-a de um blues com uma tensão/tesão que confere aos versos o poder da hipnose “to the edge town” o beco mais recôndito: “Where the secrets lie”. Quando Nick Cave canta “red right hand” a precursão ressalva uma pontuação de metais a estalar e a realçar uma luz tenebrosa como a do último estertor, “boy”, “destroy”, “he`s a man, a guru?”. “Yeah”. O enigma é contínuo: “fucking insect”, a prova encontra-se no sangue que alastra pela sua “red right hand”. Solo da guitarra. Nick Cave dança e varre o público com o seu olhar de quem conhece o poder da maldição que persegue e que é perseguida. A progressão que The Bad Seeds promovem é de um remoinho em construção “out of nowhere”, a voz suplica para que estejamos a salvo do criminoso e que nos escondamos num bunker onde é imperativo o silêncio: “turn it off”. The Bad Seeds encetam uma explosão timbrica distorcida que coloca “red righ hand” num código de urgência que paradoxalmente clama para a fuga ou para que enfrentemos o predador sexual. Ovação. “Thank you! This is a ´Weeping Song`” o meio tempo é denso mas simultaneamente alegre, a melodia imperturbável é inserida pelo teclado, a voz grave de Nick Cave: “Father, why are all the women weeping?”. “And why are all man weeping?”. Reposta sobre o fraseado do teclado: “This is a weeping song”. O baloiçar do ritmo corresponde ao de uma mãe com o seu recém nascido nos braços: “Father, why are all the children weeping?”. A progressão é determinada pelo solo do violino de Warren Ellis, que resulta num contínuo adensar de uma melodia que apesar da sua beleza exibe compulsivamente a sua sombra negra sob o luar. Solo do violino. “Oh father tell me are you weeping?”. “So sorry father”. A resposta como uma súplica e uma acusação: “This is a weeping song”. O filho é bastardo: “But I won't be weeping long”, The Bad Seeds em catarse emocional devidamente dramatizada, pungente arrogante e brutal, grotesca é a sua beleza. Palmas. “Thank you! Obrigado! What do you want to hear? This song is call ´Jack the Ripper`. Beautiful song and is dedicated to everybody!” . The Bad Seeds desferem acordes tensos/densos por serem como um movimento circular dilacerante, há um ritmo que se ergue num blues a verter sangue negro pelas veias. Pausa. “I got a woman”. A voz de Nick Cave é inscrita num deflagrar das vogais: “I got a woman”. “She rules my house with an iron fist”. Coro: “YeahYeahYeah”. “A woman”. Coro: “YeahYeahYeah”. O narrador da fábula : “You know the story of the viper?”. “It`s long and lean with poison tooth”. “OH Yeah”. Bad Seeds introduzem uma progressão de acordes secos/densos fraturantes numa tortura em que impera o sonho como o último reduto a ser rejeitado. “YeahYeahYeah”. “She screams out Jack the Ripper”.“Warren what`s next? Going to ´Tupelo`”: A guitarra em paralelo com os teclados estabelecem um jogo de cumplicidade tétrica, a batida de Jim Sclavunos é seca mas em crescendo, a marcar o compasso de uma voz que é projectada como se estivesse a perseguir uma melodia fúnebre composta para um assassino que esfomeava as prostitutas antes de as retalhar. A violência progressiva e inconstante The Bad Seeds reflectem a maldição e a bênção de quem nasceu em “Tupelo”, Nick Cave suplica por “ The Beast it cometh, cometh down”. E adverte: “O God help Tupelo! O God help Tupelo!” The Bad Seeds violentam os versos incendiando-os num sopro de gasolina: o pregador prevê: “The black rain come down, water water everywhere” o diluvio irá invadir Tupelo, a cidade marcada pelo nascimento de Elvis Presley: “The King is born in Tupelo!”. “We Real Cool” é construida a partir de uma continua contenção do baixo com um ritmo tenso/seco que a circunscreve a uma constante fantasia em que impera um ser diáfano: “Who bought you clothes and new shoes, And wrote you a book you never read?”. O dom da ubiquidade tem o poder supremo e único para responder a estas questões que albergam a imagem dos três reis magos na empresa de revelar ao menino Jesus o Mundo através de três elementos inorgânicos. “Who was it? Yeah you know, we real cool?”. Quando surge a palavra “cool”, a melodia adensa-se mas paradoxalmente ganha luminosidade incutida pelo violino de Warren Ellis. “Your high flying, high flying, high flying heels”, denso negro flutuante, alma chã e cão sangrento, cadela virgem com cio. “And I hope Your listening”. The Bad Seeds emergem continuamente com destaque para o laivo discreto e pernicioso do violino, Nick Cave levanta e abre os braços lentamente a oferecer a sua ironia travestida de padre de uma igreja católica do século XXI. “You are real cool”. “The past is the past and it's here to stay, Wikipedia's heaven”. Palmas. “The Mercy Seat” é inicialmente dominada pela guitarra acústica com os teclados a inunda-la de uma escravidão vilipendiada em cada acorde grave, a bateria faz a marcação apropriada para soar como os sinos de uma igreja repleta de almas sepultadas. “The face of Jesus in my soup”. Nick Cave constata que a sua personagem não deseja que o futuro surja: “And the mercy seat is waiting”. “And I think my head is burning”. O ritmo cresce assim como os acordes sanguinários: “An eye for an eye, a tooth for a tooth, and anyway I told the truth, And I'm not afraid to die”. A progressão liberta uma tensão que a melodia dramatiza continuamente e a voz de Nick Cave rude: “ I hear stories from the chamber, how Christ was born into a manger”, o criminoso projecta-se em Jesus, “Died upon the cross”. “In Heaven His throne is made of gold”. O condenado à tortura: “Down here it's made of wood and wire”. “And my body is on fire, and God is never far away”. Com o recrudescer do ritmo instaura uma demencia que prevalece como uma prece de um pecador que teme os homens que se substituem ao poder supremo de Deus. A repetição dos acordes do baixo e a batida da bateria em aparente contra ritmo, marcam “Stagger Lee” com um rock/blues em constante decomposição, um cadáver suficientemente belo para ser amado. “His woman threw him out in the ice and snow. And she said: ´Never ever come back no more`. Stagger Lee.” Os teclados são cúmplices do criminoso “Stagger Lee”, que assassina empregada de mesa: “Cause Stag put four holes in his motherfucking head”. Quando surge “ Nellie Brown”, conhecida por “make more money than any bitch in town”, as teclas narram a proximidade de um acto próprio de um Serial Killer que apenas reconhece a realidade se esta corresponder ao seu espelho. Nellie Brown vê o cadáver da empregada do bar com a cabeça esburacada com quatro tiros na cabeça, receia pela vida e oferece o seu coiro gratuitamente ao criminoso. A intencionalidade da métrica blues dark vai agudizando a sua perspectiva, com a narrativa a derivar para um predador sexual disposto a “I'll fuck Billy in his motherfucking ass”. “Stagger Lee?”. “Yeah, I'm Stagger Lee and you better get down on your knees, And suck my dick, because If you don't you're gonna be dead”. Palmas. “Thank you! Obrigado amigos this is called ´Push The Sky Away`". As harmonias do Hammond remetem a canção para uma leveza que as estações do ano são incapazes de reproduzir. Nick Cave “The sun is rising from the field”, e a melodia ergue-se devagar como uma andorinha a voar em direção ao céu com o intuito de se transformar numa estrela cadente. “I've got a feeling, I just can't shake”. “Keep on pushing, push the sky away”. “You've got everything you came for, if you got everything, and you don't want no more”. Coro: “Keep on pushing the sky away”.
Nick Cave and The Bad Seeds, “Push the Sky Away”, 30 de Maio, Optimus Primavera Sound Porto @ Parque da Cidade do Porto
sábado, 1 de junho de 2013
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