segunda-feira, 12 de maio de 2014

Heart of Darkness

As trevas vão demorar como por natureza acontece numa noite tépida de Maio. O convite foi enviado por Lloyd Cole, veste um fato escuro, a sua figura carrega a sombra dos Commotions com os quais se emancipou no universo da pop no início da década de oitenta. Lloyd Cole descende de uma constelação de escritores em que se encontram Bob Dylan, do qual interpretará o penúltimo tema do alinhamento, e de Leonard Cohen. Ambos são poetas que mudaram a América, para onde Lloyd Cole emigrou em busca da sua insula, ambos são judeus, a sua escrita converge com a de Bob Dylan que é maioritariamente narrativa, e pontualmente com a espiritualidade de Leonard Cohen. À poesia de Lloyd Cole convergem estas duas vertentes, a sua personagem icónica é uma mulher ou uma entidade que a representa e que pode ser uma cidade como Los Angeles, ou uma paisagem da Escócia onde é natural. Tem duas guitarras sobre os respectivos tripés no palco iluminado por focos brancos que estarão constantemente estáticos, segura numa destas, e interpreta um tema com forte pendor country, o segundo tema é “Rattlesnakes”. Mais do que enumerar o alinhamento do concerto, urge sublinhar que a primeira parte é de toada melancólica e que por vezes revela uma escuridão suficientemente espessa para segregar as trevas. Como é sabido estas provocam repulsa no ser humano que as identifica como se fossem o último estertor. Quando Lloyd Cole vê as pessoas a chegarem atrasadas é de uma ironia desarmante: “Thank you! You just missed ´Rattlesnakes`”; e quando tem um problema de afinação da sua guitarra, não a substitui pela outra, antes procura resolver o problema e improvisa “This part of the show was not intended to be”. O poeta coloca-se numa posição em que o narrador está sempre a perder e como tal é um marginal, que não tem uma idade predefinida, apenas uma consciência que o torna mortal, nessa medida alcançável por cada um de nós. O equilíbrio entre a palavra e a música resultam quando Lloyd Cole introduz às canções pontuais variações, que nos remetem para os arranjos dos originais, mas quando isto não é regra os temas perdem vivacidade atolando-se numa monotonia depressiva. Lloyd Cole avisa que haverá um intervalo e apenas o poderia fazer da seguinte forma: “I`m your opening act”, posteriormente virá “headline”. Lloyd Cole abandona o palco do Centro e Espetáculos da Figueira da Foz e leva consigo um dossier onde constam pautas, o seu património de canções de mais de trinta anos de carreira, que atraiu maioritariamente letrados. “Are you ready to be heart broken?”; marca o início da segunda parte, onde há rasgos de luz que são um manto subtilmente flutuante, predominantemente “blue”, que nos conduz por um labirinto em que as portas são falsas, e os alçapões são mecanismos de uma peça de teatro que têm o intuito de fazer desaparecer o passado. A lullaby, “Music in a foreign language”, tem um verso que ilustra a importância da língua inglesa na música pop: “Music in a foreing language, words that you don`t understand”, “lala”. O timbre da voz de Lloyd Cole parece que não sofreu com a passagem do tempo, é de facto mais corpórea, mas naturalmente melodiosa. “No Blue Skies” é cativante por remeter para uma preze que é contra a luz do dia que é uma potência da mentira, porque tendencialmente ilude o olhar das testemunhas. Uma das suas canções mais belas, “Jennifer she said”, é perturbada pelas palmas dos portugueses que têm um pé sempre disposto para a festa, onde aparentemente nunca choram os seus mortos, simplesmente por causa do medo que as trevas lhes incutem. Lloyd Cole enquanto dedilha os acordes repreende o público: “You are terrible on drums”, “don`t drum”, “maybe sing, don`t drum”. “Period Piece” é o testamento de um poeta que canta, “I`m not afraid to die”, “Welcome to my funeral west Berlin”; e foi o primeiro single do seu último álbum “Standarts” (2013), e que é uma obra que ressuscita a sua escrita pop que partilhou com os Commotions. Lloyd Cole por vezes parece um professor de música quando introduz “Last Weekend”, com os “same chords” da música anterior, “Unhappy Song”. Se é honestidade, ou, um mero exercício de gozo para com a plateia que se vestiu e se perfumou para o ouvir, não sei, mas revela concretamente que é alguém que não se esconde atrás de um qualquer artificialismo bacoco. A espiritualidade nunca é utilizada através de um cliché que a tornaria numa arte meramente decorativa, de quem acredita em Deus mas que não pratica a sua palavra, mas para junto do qual pretendem “viver”, após que a morte os separe da vida, e que Lhe dirão? “Jesus took my hand”, através de um mito Lloyd Cole acede ao púlpito de Deus. Após ter interpretado uma canção de Bob Dylan assume que: “I wrote that song just after my motorcycle accident in 1969!”; a sua entoação é americana, foge à que manteve durante o concerto-- quando se dirigia directamente ao público-- e que era sumida próximo de um sussurro de uma serpente que pretende hipnotizar a sua presa. Corrige: “No I didn`t! It`s a Bob Dylan Song!”. “Forest Fire” é executada como se as árvores fossem corpos de pessoas com os braços erguidos para o céu, a cadência da melodia é delicada, uma oração que não pretende acordar a sua Ninfa, se por um acaso ela descer do seu reduto Lloyd Cole dir-lhe-á: “I belive in love, I belive in anything”. Para lá do fim, para lá da eternidade. Palmas.

Lloyd Cole, “Standarts”, 10 de Maio, Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz @ Figueira da Foz

Dedicado a Rui Reininho.