Surgem no palco do Casino da Figueira da Foz três mulheres, uma é loura e alta acompanhada por duas morenas, todas envergam a cor preta, sentam-se nas suas cadeiras. A primeira música tem uma programação festiva quase de festival da canção, surge um homem de boina com lantejoulas, que canta juntamente com a guitarrista, a letra versa sobre uma dona de casa fútil mas que foi baptizada de “Maryjoana” que “faz a mise” ao espelho onde descobre o vazio que a inocuidade provoca. O segundo tema cruza o tango com o flamenco mas este ultimo é apenas um leve apontamento. “Boa noite. É com muito prazer que estamos nesta sala fantástica”. O terceiro tema é profundamente romântico de tão delicado, principalmente quando o violino da loura se ensimesma epicamente. Quando as canções não são apoiadas nas programações é pertinente perguntar como é que o violino, guitarra acústica e um acordeão soam como uma orquestra em que os músicos são tão surdos quanto Beethoven. “Video Maria”, dos GNR, perde a componente de pecado em cada andamento para ganhar um exotismo que até aí lhe era estranho. “Normalmente o Elton John tem nos seus camarins uma barbie e o Kent, e eu tenho duas Barbies. A ´Sharon Stone` Ianina Khmelik e a ´Grace Kelly` a Fátima Santos”, e a Cristina Baselar é a “Madonna do tango”. Para acentuar uma perspectiva que apela a um saudosismo kitsch socorrem-se de Simone de Oliveira, que com a sua voz grave canta sobre a perdição que a perda incute em quem nunca está habituado a ganhar. A sua presença faz levantar a plateia que ovaciona a sua figura levemente imponente de Diva da rádio nacional. Ao executarem um tema do Astor Piazzolla, com uma programação que não o perturba esteticamente antes lhe confere uma tonalidade de contemporaneidade que sub-repticiamente aprofunda a sua fatalidade, o músico argentino encarna em três mulheres que irradiam genialidade. Para o primeiro tema do encore regressa Simone de Oliveira que discursa: “Do fundo do coração. Este país tem que perceber que estão aqui três músicos extraordinários”, nem La Passionaria teria coragem para ser tão pertinente quanto sintética. Mas a diva esqueceu os óculos que lhe permitem ler a pauta, “eu dava-lhe os meus que são só para o charme”. A diva responde a Cristina Bacelar: “Estou velha”. Este contratempo obriga a Simone de Oliveira a entoar a letra enquanto a Cristina Bacelar canta as suas estrofes. O último tema fica à escolha do público que determina que seja a “Maryjoana”, surge o cantor da boina com lantejoulas escuras que através de gestos ensina a coreografia da letra, “que faz a mise”. O público está levantado das cadeiras a abanar as ancas e a bater palmas efusivamente ao ritmo da canção pop kitsch que poderia ser usada numa casa como a Pérola Negra.
As 3 Marias, “Bipolar”, 31 de Maio, Casino da Figueira da Foz @ Figueira da Foz
Dedicado ao Miguel Soares
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