quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Maus

As luzes vermelhas estáticas, instaladas no palco da discoteca States, que tem uma decoração entre o bordel e o templo Maçon, esperam pelos Jack Shits. Surgem, dois guitarristas e a famosa Jackie la Feline na bateria baptizada de “Canja Rave”. Os Jack Shits torturam os instrumentos selvaticamente, mas a progressão melódica crispada com inúmeras variações rítmicas, associadas a uma voz que berra, oferecem à primeira canção um carácter de urgência inalcançável. A segunda canção é iniciada pelo clássico: “1-2-3-4”; e a versatilidade das guitarras introduzem-na a uma chama garage, instigadas pela rapidez da métrica da Jackie la Feline; a sua franja é sustida por uma bandolete branca, e a melena negra de uma leoa exótica cobre-lhe os ombros. Tem atrás de si, um espelho que reflecte a violência com que fere as peles da “Canja Rave”. Jack the Ripper grita: “UUUU”: “UUU”. E por fim, despede-se falsamente do punhado de pessoas que o está a observar: “Obrigado. Até à próxima foi um prazer”. E à quarta canção os Jack Shits, assoberbam-se de uma métrica Rock and Roll, que é variável conforme o eclodir das guitarras que ora formam a Wall of Sound, ou, se digladiam compulsivamente; Jack the Ripper grita: “I don`t want to feel real”; “I love you!”, “AAAAAA”, e a profusão do mecanismo é significativamente violento. Jack the Ripper discursa dispersamente: “Olá. Parece que hoje há qualquer coisa”, pausa, “o que vocês precisam de saber…”, aplausos, “eu chamo-me Jack; ele chama-se Jack e ela chama-se Jackie”, pausa, “a segunda é que a Joana [Tê] faz anos”, aplausos; e a terceira informação, que é irrelevante: “Temos discos para vender, que custam cinco euros”. A sexta canção, é uma ligação directa a um corpo em constante convulsão, que se recusa a sucumbir às mãos do Capitão Gancho, Jack the Ripper tenta retirar-lhe a caveira: “never show your face”; e nas trevas da Terra do Nunca os Jack Shits instalam um venenoso e longo sofrimento às crianças que não acreditam em fadas. Antes da oitava canção, o público sugere à Jackie La Feline, que dispa a blusa negra de cetim, pois o Jack e o Jack há muito que exibem as peles brancas, esta ergue-se do banco da “Canja Rave” e acena com as mãos negativamente, desilude a multidão, desejosa por um striptease parcial. A pulsão da oitava canção, corresponde a um coração em que a taquicardia alimenta o cérebro através de feixes de luz, que transcrevem imagens do Jack a discorrer pela guitarra como se fosse uma alma em lista de espera numa maternidade portuguesa. A quarta informação de Jack the Ripper: “Seguimos sensivelmente a meio do nosso concerto”. A nona canção é uma revelação da anterior, mas cada nota é imposta por um bloco sónico, que assoberba uma maravilhosa alienação, ostensivamente rasgada pela guitarra de Jack. Jack de Ripper convida, através de um grito de uma Mãe Coragem torturada por Bertold Brecht, “let`s go”. “Let´s go! Go!”. Jack the Ripper desloca-se por entre o público, e pisa um padrão de azulejos brancos e pretos, e penetra o público. Pausa. Quando sobe ao palco, os espelhos reflectem o seu esqueleto em que sobressaem as costelas; e os Jack Shits reinscrevem a canção num fluxo de garage rock, que é repetidamente reinventado. Palmas. A quinta informação: “A Joana Tê faz anos”. Que tem um cabelo vermelho vivo, um vestido tigresa cobre-a até aos joelhos, e o calçado é punk; é convidada a assumir a guitarra de Jack the Ripper; a segunda, a surgir do público, é Masha à qual lhe é atribuída as maracas. A introdução dos acordes seminais de “Glória” cabe a Joana Tê, que joga melodicamente/ritmicamente com Jack, as maracas dão-lhe uma tonalidade profundamente kitsch e alicerçados na consistência rítmica de Jackie la Feline, emergem uma melodia festiva mas dark; Jack the Ripper sobe ao varandim, lateral ao palco, e o público acompanha-o na épica entoação: “Glória”. As variações rítmicas transformam-na numa canção em que impera uma improvisação delinquentemente assertiva. Jack the Ripper, apenas se permite executar as duas canções do encore, por ter sido endereçado o convite pela aniversariante Joana Tê. A última canção é apresentada por Jack the Ripper da seguinte forma: “Mais uma, porque faz anos a Joana Tê”. “É uma balada, agarrem-se!”. Evoca os anos cinquenta, quando os jovens californianos se deslocavam de carro com a namorada para drive-ins ver o “Glen or Glenda”. Palmas. “Obrigado! Parabéns Joana!”.

The Jack Shits, “Aniversário da Joana Tê”, 13 de Setembro, States @ Coimbra

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Man on the Moon

O espetáculo conceptual, do artista Victor Torpedo, “Karaoke”, tem como princípio a emissão de canções pré-gravadas, que estão em sintonia com um ecrã, onde surgem imagens com as letras das canções escritas pela estrela Pop conimbricense. Victor Torpedo veste calças pretas, o blazer esconde a camisa com a paisagem de uma floresta tropical, e enquanto canta para o microfone, a declaração de guerra, “so dead”, invade a cadeira vazia que se encontra numa mesa de um casal romântico. As luzes estáticas da Casa Havanesa ilumina os seus rostos, que encobrem um espanto difícil de digerir, desenham um sorriso tímido e ela mete a palhinha, mergulhada num bebida exótica, entre os lábios. No ecrã surgem homens a dançar ao ritmo de “So Dead”, que versa uma decadente “Madchester”, quando a água ganhou um companheiro chamado ácido. “Sick of myself”. A terceira canção, que evoca a alma indie de Manchester, dominada pela guitarra de Johnny Marr, dedica-a, “esta é para o Eurico”; Victor Torpedo rodopia como se tivesse uma multidão infinita à sua frente. Por vezes Victor Torpedo abocanha o microfone evocando um canibalismo Sci-fi, e no ecrã surgem senhoras de saia e casaco que bebem Coca-cola. Enquanto Victor Torpedo despe o casaco, a canção é de uma melodia fúnebre, sublinhado pelo pendor tétrico do baixo, “they are calling for us”. Victor Torpedo sobe para o cimo de uma cadeira, e como que por encantamento, vê uma multidão de fãs, que gritam: “Victor Torpedo! Victor Torpedo! Victor Torpedo!”. E responde-lhes: “Why people die?”. A quinta canção leva-o a roubar o copo exótico, à tímida e entediada jovem, o companheiro não reage. Posteriormente surge Eurico com dois copos de shot cheios de sangue, entrega o copo a Victor Torpedo, elevam-nos ao ar e emborcam-nos num folego. Victor Torpedo canta sobre uma tragédia diária: “no time for fun”. A sétima canção, é descrita por Victor Torpedo: “É ainda mais triste. Obrigado Figueira, vocês estão todos felizes”. O tema versa um universo electrónico com harmonias sugeridas pelos Electronic, mas exploradas numa perspectiva kitsch. Há ainda a destacar a hipnótica “Meet my tribe”, que é cantada como se Victor Torpedo fosse um robot sobrecarregado com sentimentos dos humanos. Na canção, em que surgem no ecrã pessoas a dançar ao ritmo do twist, Victor Torpedo empunha o microfone a um homem que tem um boné branco, que surgiu do chão através de um inexistente alçapão, este retira do bolso do casaco de basebol americano colheres reluzentes, transforma-as num objecto musical de precursão, irrompem cavalos a ser esporeados por cavalheiros à caça de peles vermelhas, e Elvis Presley canta através de Victor Torpedo. O músico que não foi convidado a aparecer autointitula-se: “Jimmy Spoon” e tem “71 years old”. E recebe uma misericordiosa salva de palmas por parte dos presentes e dos ausentes. Victor Torpedo declara que já só faltam, “três ou quatro canções”, para o fim da sua performance na antiga livraria Casa Havanesa, durante as quais, expurga um contínuo e sedento desejo de extroverter o conflito entre as inúmeras personagens que compulsivamente o dominam, relegando-o para uma inexpugnável elegia ao absurdo.

Victor Torpedo, “Karaoke”, 12 de Setembro, Casa Havanesa @ Figueira da Foz