O documentário “Uivo” de Eduardo Morais marca os cinco anos da morte de António Sérgio e atesta que este não foi unicamente um radialista mas acima de tudo um homem que através dos seus programas revelou um ecletismo que o destacou dos seus colegas. Os entrevistados são músicos, radialistas, jornalistas, amigos e familiares e o ponto que os une é que existia em António Sérgio uma vontade expressa de representar uma minoria que não encontrava nos media um espelho no qual poderiam encontrar o seu reflexo. Ao colmatar este vazio António Sérgio é a voz de uma geração que quando sintonizava, por exemplo o “Som da Frente” (1982-1993) descobriam um líder que personificava uma marginalidade imposta pela sociedade. Numa época em que a internet era uma ficção e o acesso a determinados discos tinha que ser realizado através da sua importação. António Sérgio tem uma história profissional que é responsável pela produção do primeiro álbum dos Xutos e Pontapés “78/82” e do patrocínio de inúmeras bandas portuguesas como os Gift. Acima de tudo o António Sérgio usou a rádio como meio para difundir os géneros musicais Punk/Pop/Rock/Noise/Metal que eram rejeitados pelas rádios que difundiam uma estética imposta pelas multinacionais que exigiam o retorno imediato aos seus músicos. “Boa noite Coimbra. Cumpre-nos estar de novo em Coimbra com os Subway Riders” é a voz de Jinx o cantor e guitarrista dos Dirty Coal Train que é acompanhado por uma femme fatale na guitarra e eléctrica e por uma jovem na bateria. O percurso que iniciam é pontuado por garagens situadas numa cidade falida como Detroit como se as guitarras de Jinx e da Femme Fatale estivessem configuradas numa sujidade melódica. Disso é exemplo a quarta canção em que a distorção é preponderantemente entrecortada pelos breaks da bateria de Lena Huracán Coltrane. A quinta canção é de uma pulsão lenta mas pesada e as guitarras transportam-na para uma Pop incinerada. A sexta canção, deriva de um ritmo sujo e a nervura a céu aberto das guitarras de Jinx e da Femme Fale uivam: “EYEY”; “AAA”; “UAU”, instituindo alternadamente riffs viscerais sobre o ritmo pesado. A sétima canção tem um início tépido mas pesado que é gradualmente altercado pela dupla de guitarras: “I mean”. Na oitava canção o Jinx e a Femme Fatale cantam em uníssono sobre o ritmo acelerado das guitarras semi-distorcidas: “I love you”. “UAUAUA”. A nona canção tem pouco mais de dois minutos mas o que a torna mágica é o saxofone de Pedro Calhau que minimalmente transgride por entre a malha garage realçando o seu carácter de urgência Jazz. E após a última canção do alinhamento fica um eco que ressoa nos ouvidos do Salão Brazil e o transformam num espaço conspurcado por um pecado original. A segunda banda a subir ao palco do Salão Brazil são os Subway Riders que apresentam uma Pop eclética em constante desconstrução que é acrescida pela voz de Carlos Subway que se impõe como um denominador do absurdo. Nas canções em que esta vertente não é seguida, sobressai o kitsch da guitarra eléctrica de Victor Torpedo que encontra no teclado de Augusto Cardoso um cúmplice que lhe dá espaço para elevar cada um dos seus acordes ao Olimpo. A terceira canção tem uma enunciação de um flamenco embriagado que é dançada por Calhau Subway e este episódio revela acima de tudo que os Subway Riders não têm pretensões de particionar uma vida agrilhoada a um sistema económico-social que os torna recipientes de faits divers. Na quarta canção apropriam-se do México, na seguinte param na Jamaica, e a quinta é um “clássico low fi”. A entrada em cena do Marquis de Cha Cha: “Um génio de Portalegre que vai fazer um dueto com o Calhau”, surgem passarinhos a namorar à janela de um hospital psiquiátrico. A sexta canção é apresentada por Carlos Subway: “Agora vamos tocar uma canção do Marques” que é dominada por um beat atmosférico viciado num groove dançante. A sétima “I can`t get no satisfaction” é dominada pela guitarra eléctrica de Victor Torpedo que reproduz os acordes da canção dos Rolling Stones sem os mimetizar antes oferece-lhe um minimalismo rock and billy. “James Brown” é uma sátira à soul mas envolvida numa convulsão constante. “África” tem um loop melódico produzido pelo teclado de Augusto Cardoso que é repercutido acidentalmente pelos Subway Riders. Para encerrar o concerto convidam os diversos músicos presentes na sala a subir ao palco, melodicamente surge uma substância espessa que trama uma opacidade sonora.
“Uivo” documentário de Eduardo Morais, The Dirty Coal Train, Subway Riders, 8 de Novembro, Salão Brazil @ Coimbra
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
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