domingo, 26 de abril de 2015

Lord of the Flies

A tocar a guitarra eléctrica encontra-se Diogo Augusto é franzino e de rosto triangular e tem um olhar difuso, poderia ser filho de D. Quixote e Dulcineia caso estes se tivessem casado na obra de Cervantes; o seu parceiro na bateria é Samuel Silva que é corpulento e azas rápido quando faz estalar os pratos e bombar o bombo, ele é o coração que ritmicamente impõe o rock enquanto Diogo Augusto expira para o interior de uma harmónica. Estão devidamente apresentados Los Saguaros, que antes de executarem a segunda canção da noite no palco mínimo da Casa Havanesa, Diogo Augusto explica que “a próxima música chama-se ´Go`”. A guitarra eléctrica é melodicamente agressiva com a devida marcação acelerada da bateria de Samuel Silva, o seu parceiro grita para o microfone algo imperceptivel, desta equação emana um Rock and Roll fervilhante com raízes numa América do Norte onde reinam os sem-abrigo. Quanto à terceira canção Diogo Augusto é peremptório: “É a loucura deste género”, a guitarra é uma fonte da qual emanam acordes grandiosos que repetidos convergem para um precipício onde a vertigem é naturalmente imposta através do seu epicíssimo, com a devida perseguição da bateria de Samuel Silva, há um solo minimal da guitarra que aprofunda a agressividade rock, Diogo Augusto canta gravemente para o microfone. Às escassas palmas provindas do escasso público obrigam o cantor a usar a sua educação bilingue: “Obrigado! Muito obrigado! You are very kind! A todos os presentes por cá estarem!”. A quarta canção reporta a um rock espagueti mas assinado por Ry Cooder nas noites de impossíveis bebedeiras a ouvir os lobos a uivarem à lua com o período. A quinta canção segundo o filho bastardo de D. Quixote: “Never being rehearsed”, em que Los Saguaros incorrem num blues low fi, a harmónica revela a alma de um ser isolado num deserto denominado de Grace Land, baptizado por um guerreiro de poupa e de rosto angelical com patilhas até os lóbulos das orelhas, é este que canta e discursa como um reverendo doente de peyote através de D. Quixada, que se desloca em direcção ao público inexistente tocando a sua guitarra como uma lyra de ouro tangida por um anjo puti enlouquecido, a métrica acelera-se e instala uma hipnose frugalmente bela. Às palmas mudas do público D. Quixada agradece em inglês: “Thank you all for being here!”. A sexta canção é dotada de um tempero Rock and Roll que é provincialmente imposta pela relação bestial entre a bateria de Samuel Silva e pela guitarra (blues) eléctrica de D. Quixada que desfere um solo dissonante e grita para o microfone: “I say yeah”. A sétima canção tem uma cadência espaçada com a guitarra de D. Quixada a ocupar o espaço sobrante com uns acordes rock and pop. Após o intervalo Los Saguaros regressam revigorados para enfrentar os clientes habituais na Casa Havanesa nascidos na fantasmagórica Figueira da Foz. A relação que procriam na oitava canção estabelece a bateria de Samuel Silva e a guitarra eléctrica de D. Quixada numa prepotente Pop; a pausa marca o deflagrar da guitarra que cita o surf rock e que se contorce perante a assertividade do seu colega Samuel Silva. A nona canção é uma perfusão Rock and Roll em que se destaca a violência melódica da guitarra eléctrica de D. Quixada devidamente coberta pela visceralidade da bateria de Samuel Silva que humedece a sua t-shirt cinzenta, as variações rítmicas e melódicas somam-se à Pop que posteriormente é vilipendiada pela intensidade rugosa inevitavelmente rock, um composto tóxico de tão soberbo. A décima canção tem um domínio perdidamente western oriundo da guitarra eléctrica do incansável D. Quixada, os breaks da bateria de Samuel Silva relegam-na para o rock, há uma variação da melodia que se inscreve na Pop enquanto solos western são rejeitados pelo demente D. Quixada, a densidade é uma veloz imagem a esvair-se num vidro fumado de negro. A décima primeira canção é uma união de facto entre os dois instrumentos colados como se fossem um feto composto por gémeos falsos simiescos, uma dependência absurdamente imposta pela puta da natureza resultando num vibrante rock and billy, quem se destaca da relação é obviamente o Rock and Roll. A décima segunda canção é dedicada por D. Quixada: “Às caras que eu não conheço”, segundo a ciência são fantasmas de rostos alienados. A guitarra eléctrica de D. Quixada é intensionalmente trash (rock) com os pratos a estoirarem no ar como bardos do 25 de Abril a serem torturados pela democracia, em segundos surge umas miligramas de uma tóxica Pop que é corrompida pelo hard and billy disparatados pelo rock. A décima terceira canção é velozmente executada como se Los Saguaros estivessem a actuar o seu último concerto, há tanta violência na composição que se fosse doméstica seria perfeita. O mestre franzino e de olhar tresloucado apresenta-se: “Sou o Diogo mas a minha mãe chama-me o ´narciso`, o Diogo”, para os amigos e inimigos será sempre D. Quixada filho ilegítimo da imaginação majestática de Cervantes, “adeus”, é a última canção da noite na escura Casa Havanesa, “até à próxima”. “I`m Waiting for my Man” dos Velvet Underground é revista e aumentada numa vertente acelerada por parte de Los Saguaros, com ressalvos rock and billy, D.Quixada canta distorcidamente: “Feel”, vem à superfície um ritmo pausado que converge numa densidade cinematográfica a preto e branco da autoria de Andy Warhol, “waiting for my man” numa esquina de Nova Iorque com “Twenty-six dollars in my hand”, presumivelmente o dealer não comparece na noite nevada numa transversal da Quinta Avenida com ratos, a voz sobre o pendor sustenido da bateria de Samuel Silva canta tristemente: “I`m waiting for my man”.

Los Saguaros, 25 de Abril, Casa Havanesa @ Figueira da Foz

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