Está calor no interior da discoteca Beat Club em Leiria que pontualmente convoca para o seu palco bandas diversas, esta noite tem como convidados os Jack Shits e os Parkinsons. Os primeiros encontram-se a debitar “Toni Lee” que tem uma melodia rock-mecânica-repetitiva suficientemente violenta para alastrar como se fosse lava expungida por um vulcão adormecido desde o paleolítico. Diogo Shit grita para o microfone a mudez da natureza que é aniquilada pelo manto incandescente negro e vermelho; o mecanismo assenta na distorção das guitarras associadas à violência dos pratos de Nick Shit e que dada a sua minimalidade é uma substância subliminarmente tóxica por extorquir a raiva contida em corpos frustrados com a vida-- ecoam as palmas do público que lota o Beat Club. “Bring it Home” tem como premissa as guitarras a deflagrarem acordes profusamente garage, o rock advém da bateria de Nick Shit, “I don`t know”, os Jack Shits aceleram o ritmo e após a pausa, Diogo Shit grita para o microfone: “AAAUUU”. Pausa. “Bring our love”, a detonação é contínua “AAAUUU”, e depois do solo da guitarra de um dos músicos há uma progressão com raízes num bullyng garage imposto a um idoso surdo. Palmas. Os Jack Shits apresentam-se: “Olá, boa noite! Somos os Parkinsons!”. “I Don't Want To Be Real” é de um curto espaçado com as guitarras eléctricas semi-distorcidas a ramificarem-se como espinhas num rosto de um adolescente vítima da mãe natureza, sobe ao palco um homem magro com uma cabeleira loura atraído pelos troncos nus dos Jack Shits, mas não perturba a dor na voz agressiva de Diogo Shit: “I don`t want to be real”, “real”. O bombo outonal de Nick Shit é crispado por um solo violento de umas das guitarras électricas semi-distorcidas, a loura e o Diogo Shit dividem o microfone como se este fosse um desejo Pop, há um suspense rítmico que lhe oferece uma expectativa inusitada, a loura beberica uma bebida branca, e as guitarras revelam-se num repuxo provocado pela respiração de uma orca assassina. Na quarta canção “Godmamn” impõem-se as guitarras eléctricas semi-distorcidas, uma das quais representa um solo violento e quando são injectadas pela detonação da bateria de Nick Shit a explosão projecta estilhaços para o olhar dos presentes, Diogo Shit berra: “to see”. Pausa. Os Jack Shits abandonam dinamicamente a frequência acelerada para se alicerçarem num rock crispado, “got the”, a melodia é confiada a uma dinamitação de minas pisadas por militares africanos e que corou o estropio como memória da guerra nas ex-colónias. Em “Sex Beat” dominam as guitarras em regime de semi-distorção com a bateria de Nick Shit a compensar com uma vertente contida e continua, “move”, pausa; um homem sobe ao palco e dança ao lado de Diogo Shit, entusiasmado por reconhecer a quinta canção como pertencente aos Gun Club, “move”, canta enquanto dança: “Sex beat”. A sexta canção “Wanna Make You My Baby” é iniciada por um feedback de uma das guitarras, que instauram uma frequência agreste como se fosse uma ventania promovida por arame farpado a cravarem as suas garras em bonzais que meditam sobre o sentido da vida, a bateria de Nick Shit é uma cúmplice providencial que determina o saque às mentes alienadas, Diogo Shit grita: “I” (grito), há um ritmo sustenido na massa das guitarras semi-distorcidas rejeitada pelos irmãos Shit, e perante o aceleramento rítmico, “I” (grito), há um solo angular que a penetra para jamais erradicar a maldade. A antepenúltima canção da noite é “You Don't Learn”, conjugam-se alternadamente as guitarras semi-distorcidas de Diogo Shit e de Samuel Shit com a distinção hiperbolizada da bateria de Nick Shit, pausa, os Jack Shits visceralmente reflectem-se num torpor criminoso; o bombo é um ponto de onde discorrem as guitarras, “just like” (grito); o trio ilumina um rastilho de um fogo preso acendido por um guru esquizofrénico. Às palmas, Diogo Shit apresenta novamente os Jack Shits: “Nós somos os Parkinsons”; “eu sou o Chau”, chama por “Kazuza”, figura incontornável da noite de Coimbra; ouve-se o bombo que marca o início de “Let`s Go”, “Kazuza prepara-te que entras a seguir!”, a premissa da canção deriva para um encadeamento intercalado entre as guitarras de Diogo Shit e Samuel Shit com um ritmo sincopado (Pop) desferido por Nick Shit, “AUAUAU” (grito), sobre o qual há uma interferência egocêntrica de uma das guitarras num solo angular semi-distorcido; o público rodeia o cantor de tronco nu franzino e gera-se uma apoteose, entre os quais se encontra o Kazuza que foi esculpido por Botero num dia em que a inspiração o agraciou para a inalcançável perfeição. Alguém canta para o microfone: “Au baby”; “yesterday”; os Jack Shits relegam-na para um fim épico, não sem antes citarem os Bon Jovi: “You give love a bad name”. Para “Gloria” da autoria de Patti Smith, Diogo Shit chama educadamente por “Victor [Torpedo] anda cá caralho!”, quando o Rei do Rock de Coimbra comparece enverga uma guitarra eléctrica, e é apresentado devidamente pelo cantor de tronco nu: “Victor Torpedo dos Parkinsons”, finalmente apresenta a banda que lidera: “Nós somos os Jack Shits”. As duas guitarras inserem os acordes Pop mas numa vertente de corrosividade suprema ao rasgarem via distorção a sua beleza melódica, “III”, o coro é de Pedro Chau: “Gloria”, a rapidez que encetam impõe a extrema decomposição dos acordes que simbolicamente a representam. Pedro Chau: “Gloria”; Diogo Shit: “AAA” (grito), a marca de água de Victor Torpedo corresponde ao dedilhar da guitarra como se esta fosse um músculo do qual exprime o blues, “allright”, “I”, Pedro Chau: “Gloria”; solo de Victor Torpedo. O ritmo decresce e agrega-se à Pop, os corpos dos músicos estão suados, Diogo Shit: “Gloria”, público: “Gloria”; Diogo Shit: “Gloria”, público: “Gloria”. Diogo Shit: “Gloria”, Pedro Chau: “Gloria”; Diogo Shit: “Gloria”, Pedro Chau: “Gloria”. Ovação.
Os Parkinsons são recebidos com uma loucura contida e sem que lhes dê tempo para explodir o quarteto de Coimbra, que foi a primeira banda portuguesa a tocar no festival de Glastonbury, acende o rastilho de “Primitive” que tem uma vibração apoiada na guitarra eléctrica de Victor Torpedo e no ritmo acelerado imposto por Paula Nozzari, “I want to wake up”, o composto químico é proporcionado por um punk incisivo e a agressividade oral é assertiva, “long way to get me”, “race”, pausa, Victor Torpedo dedilha a sua guitarra eléctrica como se fosse uma harpa de cordas escaldantes, consentaneamente alicerçada na métrica de Paula Nozzari e pelo baixo eléctrico de Pedro Chau, há angustia no canto de Afonso Pinto: “I want to wake up!”. A segunda canção “Too Many Shut Ups” é perentoriamente mais acelerada que a anterior, e em termos melódicos é um estilhaço que dilacera os órgãos sumariamente e é compulsivamente dedicada a despertar os alienados da sua constante contemplação das sombras da alma. Victor Torpedo enquanto rejeita um solo épico atira-se da coluna para o fosso junto ao público, um demónio que apenas tem como objectivo personificar um guitarrista em transe por entre uma floresta de troncos nus tatuados. A parceria de Paula Nozzari e de Pedro Chau é uma barreira intransponível de fogo onde é incinerado um xamã, “I”, enquanto o solo da guitarra de Victor Torpedo se faz e desfaz num torpor inconcebível o microfone de Afonso Pinto é apontado para as bocas dos presentes que vociferam. Palmas. Afonso Pinto toma a palavra: “Obrigado! Somos os Parkinsons”, ironicamente corrige: “Somos os Jack Shits”, “muito obrigado aos Jack Shits! Muito obrigado ao Carlos Matos por arriscar trazer-nos aqui”. “Angel in the Dark” tem um dois por dois imposto por Paula Nozari mas é tão acelerado que parece exorcizado por uma máquina de costura que perfura os tímpanos com o apoio da sobriedade inevitavelmente estranha do baixo de Pedro Chau; e se Victor Torpedo enquanto sola não estivesse a investir dramaticamente sobre o público, não estaríamos perante o maior guitarrista da Península Ibérica, que transforma cada riff num punhado de ácidos ávidos por corromper o sol. Afonso Pinto grita: “reality”. A quarta canção “Body and Soul” é de uma reverb grotesca de tão suicidária, ou um complexo de barbitúricos num copo de cocktail manuseado por dedos finos de unhas pintadas de vermelho. “My life”; “many”; salpicada pelos solos dementes de Victor Torpedo, “in my heart”, o bombo revela-se num pulsar activo, a voz de Afonso Pinto é o rasgar dilacerante prolongado pelo solo electrocutado da guitarra eléctrica de Victor Torpedo, “it`s just body and soul, a variação para um meio tempo exonera-lhe a vertente punk e insere-a num falso Pop-- e se a isto juntarem a inoperância de Victor Torpedo que vê a sua guitarra perder uma corda, socorre-se de uma outra mas o jack não coincide com a reentrância da guitarra, pede ajuda e surge o Samuel Shit mas que não consegue resolver o problema— e quem sobressai é o baixo de Pedro Chau com a devida complacência da bateria de Paula Nozzari, Afonso Pinto continua a cantar: “Common baby you have nothing o loose”, “my baby”. A nova guitarra de Victor Torpedo faz-se ouvir através de uma cadência rock, ressoa o baixo de Pedro Chau, “my baby”; Victor Torpedo ocupa o espaço vago através de um solo discreto, “where`s my baby?”; “right next to me”; “where is my lady?”, um espectador divide o microfone com Afonso Pinto: “UUU”. Segundo Afonso Pinto a “Body and Soul” resultou numa “versão acústica.” A quinta canção “Nothing to Lose” é apresentada por Afonso Pinto da seguinte forma “esta é nova!”. Dotada de uma demência melódica em que impera a guitarra eléctrica semi-distorcida de Victor Torpedo e voz é um rasgo na pele de um mamífero indefeso, “Can go”, “in the back seat” , a distorção e rapidez rítmica consolidam um punk com uma coerência assassina. “Streets of London” tem um domínio rock mas a progressão atenua a sua agressividade, “paradise”, “away”, coro: “away”, “common”, um espectador sobe ao palco e automaticamente atira-se sobre a multidão e Victor Torpedo movimenta-se na linha da frente como se estivesse a digladiar-se com dragões alados, “Rock and Roll”, “away”, nunca a violência foi de tal forma vilipendiada. Victor Torpedo é poeticamente perentório: “Os Jack Shits foderam o material todo! Partiram-me as duas cordas!”. Os Parkinsons iniciam “New Nave” que é sodomizada pelo riff vibrante, milimetricamente ora ascendente ou descendente, da guitarra eléctrica semi-distorcida de Victor Torpedo. Afonso Pinto tem um timbre de rebelde sem causas e como tal um delinquente expulso de um orfanato com adolescentes drogados, “station”, “I can`t see you”, o desferir dos pratos da incansável Paula Nozzari coincidem com as notas curtas da guitarra de Victor Torpedo e a sua constante repetição injectam-lhe doses impuras do mais sublime punk. Antes de “Runing” Afonso Pinto de tronco nu e com a tatuagem de uma ave ao peito da qual gotejam bombas nazis faz a seguinte declaração: “Deixem-me apresentar a nossa nova baterista, que faz muita inveja a muito homem, é a Paula” Nozzari ou Jackie la Feline quando destrói uma bateria. A relação que se estabelece entre os Parkinsons tem como centro o ritmo dois por dois da bateria e o baixo eléctrico de Pedro Chau é assertivo e quem instala a melodia é a guitarra de Victor Torpedo. O acelerar do ritmo retira-a da melancolia e instala-a num divã em que o psicanalisado consumiu cocaína, “1-2-3-4”, o crescendo impõe a visceralidade ou a alucinação de um pedrado, “never”, instala-se o caos no público que se revê no Rock and Roll travestido de punk. Após “Runing” Afonso Pinto encarna o político com uma medida contra a natalidade: “Somos filhos de putas!”, censura-se: “ Não há necessidade!”, contorce sensualmente o tronco nu como se estivesse a demandar por clemência ao público pela violação dos valores da Igreja Católica. A oitava canção da noite é “Wee Hours”, o bombo e o break da bateria de Jackie la Feline irrompem num crescendo, “you are happy?”, quando se estabelece numa rapidez sufocante é perseguida pela deflagrante guitarra eléctrica de Victor Torpedo, que se atira sobre o público para o intimidar, “rocking”, os breaks de Jackie la Feline promovem uma festa onde dançam esqueletos a snifar as cinzas dos humanos, a condensação da melodia é fixada no punk. Afonso Pinto declara: “A próxima música é dedicada a mim mesmo”, haverá algo mais punk do que o egocentrismo? “Litle Toys” dominada pelo riff de Victor Torpedo, “just rock and roll”, a eloquência siamesa entre a bateria de Jackie la Feline e o baixo elétcrico de Pedro Chau são uma rede que erige uma sustentabilidade insuspeita, solo minimal da guitarra eléctrica semi-distorcida de Victor Torpedo, progridem dramaticamente para o fim. A décima primeira canção “Girl From Another” é um carburante curto mas agressivo dada a violência contida com que Jackie la Feline desfere sobre o bombo, a simetria melódica é imposta pelo baixo de Pedro Chau a impor uma melancolia inesperada, pausa, “walk away”-- sobe ao palco um tipo louro que tenta dividir o canto com o indescritível Afonso Pinto-- pausa, o groove punk instala-se e faz dançar Kazuza a exibir a sua barriga prominente que parece um covil onde pernoitam filhos do Conde Drácula, “for you”, ao qual se deve adicionar um solo épico da guitarra eléctrica semi-distorcida de Victor Torpedo. Palmas. Afonso Pinto agradece a “Kazuza! És o maior! E obrigado a todos! Kazuza onde estás?”. “Good Reality” é apresentada através de um convívio saturante entre a Pop e o punk, “I`m dead”, “reality”, “in this wasteland”, “people are people”, “the reality”, os Parkinsons expulsam a Pop e instauram a violência à punk, “in this wasteland”. Kazuza há muito que se encontra a dançar e a cantar para um microfone desligado, os seus suspensórios balançam perigosamente, enquanto Afonso Pinto contorce o tronco como uma cobra camaleónica. O público entoa em coro: “Kazuza! Kazuza! Kazuza!”, que não abandona o palco enquanto os Parkinsons executam “Bad Girl”, despe o polo claro e exibe o seu peito ligeiramente invadido por um capim selvagem; o ritmo é dois por dois continuo revelando-se uma força Pop, os pratos marcam o canto potente de Afonso Pinto: “She`s a bad girl”, o cantor é raptado por membros do público e transportam-no como se fosse um andor com a Nossa Senhora banhada a ouro, Afonso Pinto tenta cantar mas ri perante a sua incapacidade, a guitarra semi-distorcida de Victor Torpedo é de um âmbito mecânico punk and billy, sobre a sofreguidão contida de Jackie la Feline e de Pedro Chau, “She`s a bad girl! She`s a bad girl”. “One-two-three-four”. A penúltima canção “City of Nothing” tem um ritmo acelerado que é o detonador de um extintor que ejecta o pó branco sobre a multidão que o inspira, a inefável guitarra eléctrica semi-distorcida de Victor Torpedo percorre a escala transigentemente, “where did”, há uma contenção rítmica imposta pelo baixo sóbrio de Pedro Chau, “When I give up?”, o aceleramento rítmico repele-a para um campo de concentração onde é utilizada para torturar membros do Estado Islâmico, “I walk through the door”… Por fim, “So Lonely” antecedida pela dedicatória de Afonso Pinto: “Esta é a última e é dedicada ao homem da noite, uma salva de palmas para o Carlos Matos, que nos vai enforcar não tarda nada!”. A interacção entre a guitarra eléctrica de Victor Torpedo e os breaks na bateria de Jackie la Feline é intensa, “world”, mas quando surge o refrão: “I`m so lonely, I`m so happy now”, os Parkinsons revelam-se melodicamente através de uma alegria que clama paradoxalmente pela solidão como seu último reduto, se é punk ou Pop ou rock ou apenas e só um hino para os que encontram o seu reflexo no fim do futuro.
The Jack Shits + The Parkinsons, 2 de Maio, Beat Club @ Leiria
segunda-feira, 4 de maio de 2015
O Meu País Inventado
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