O Salão Brazil na baixa de Coimbra está lotado para celebrar a vida e a obra de Victor Torpedo que no fim da década de oitenta se emancipou como músico, um dos poucos guitarristas portugueses senão o único, que usa uma técnica em que o riff domina as canções oferendo-lhe uma urgência e vibrações inigualáveis. Para além deste pormenor, Victor Torpedo é uma personagem “larger than life” porque está conscientemente desprovido de preconceitos a que o seu estatuto de guitar hero estaria sequestrado, recebe os seus conhecidos com um enorme sorriso e aos amigos com abraços e beijos de felicidade, a sua solidariedade para com os marginais é de tal forma desconcertante que por vezes é complicado associá-lo a um esteta Pop, se houvesse um trono do Rock em Coimbra decerto que a coroa seria para o Victor Torpedo. O cartaz que publicitou o evento denominado de Special Crimbo + Karaoke é exaustivo ao enunciar as bandas por onde passou ou ainda milita: Tédio Boys, Subway Riders, Planet Jacumba, Blood Safari, Tiguana Bibles, The Parkinsons, Psicotronics. Os convidados desta festa eram os seguintes: Pedro Xau, Carlos Mendes, Susana Jacumba, Toni Fortuna, Sérgio Cardoso, Tó Rui, João Rui, Jorri, Pedro Calhau, Pedro Serra, Augusto Cardoso, Tracy Vandal, Carlos Dias, Paula Nozzari, Marquis Cha Cha, Nakata, Samuel Silva, Miguel Padilha, António Olaio, MC Ruze, Jerónimo, Paulo Eno, Nito, Ricardo Seiça e Zappadada. Há uma surpresa de última hora, Miguel Duarte aluno das sessões de músico terapia administradas por Paula Nozzari, que o propôs para se sentar na bateria dos Subway Riders, é o seu primeiro concerto e a tarefa não é fácil, mas com a cumplicidade e o entendimento de todos os músicos a primeira canção ganha concisão estética. As duas canções que se seguem já contam com Pedro Xau na bateria, os Subway Riders apresentam-se na mais sólida esquizofrenia Pop, decompondo ou vingando estereótipos que se instalaram como géneros. De assinalar que também faltou no cartaz o nome do incontornável Kazuza, que desempenha o papel de apresentador dos convidados, que muitas das vezes ou mesmo quase sempre não conseguirá ler a respectiva cábula, mas não é o caso quando apela pelo “Toni Fortuna” que demora em se reunir a outros ex-Tédio Boys: Kalo, Sérgio Cardoso, que juntamente com Victor Torpedo reavivam a memória de uma banda rock and billy, que na década de noventa conquistou os palcos da América e que tem um culto generalizado em Portugal, que clama por uma reunião dos heróis de Coimbra. Na segunda canção junta-se o incomparável Xerife Nakata e o billy ganha consideravelmente ao hill, algo que provoca na parte fronteiriça do palco uma dança desordenada por parte dos mais acérrimos fãs. Na penúltima o funk com um groove disco sound é elevado ao patamar da perfeição com o solo do saxofone do Calhau. Na última canção sobe ao palco Tó Rui e as guitarras são labaredas de um auto de fé onde se sacrificam bruxas e bruxos, a onda repercute-se pelo público que dança e recebe de braços abertos o stage diving do Toni Fortuna. Surge “Paulo Eno” que enquanto o sampler debita a canção que é entre cortada pela guitarra eléctrica de Victor Torpedo, discursa alheio ao propósito para o qual foi convidado: dar voz às canções dos 77; “em 76 formei os Dada”; “em 77 formei os Curto Circuito”; “87 formei os Objectos Perdidos”, nos quais o cicerone da festa militou “com 14 ou 15 anos”; “em 96 formei os 77”; “acreditem no rock”; “hasta la victoria siempre”. O Paulo Eno voluntariamente ignora os acordes de Victor Torpedo, consequentemente a sua actuação é iníqua, “Viva o Partido Comunista Português”, ostensivamente bebe água e cospe para o público e não satisfeito com o seu acto ainda lhes despeja parte da garrafa, a canção ganha tonalidades reggae, “Álvaro Cunhal”. Na segunda canção dos 77, Paulo Eno canta um refrão poeticamente punk: “I love you, I fuck you, I kill you”, a melodia é de uma violência rocka billy desmesuradamente hipnótica. Para os Planet Jacumba Victor Torpedo é secundado por Kalo, Pedro Chau e Susana Jacumba, que é dona de uma voz portentosa e de um domínio do palco muito convincente, é uma excelente frontwoman. A primeira canção e a segunda canção versam o indie, a primeira domina a pop e na segunda o rock, mas os holofotes da nossa memória deverão iluminar o rosto e a posse e a voz desmedida da Susana Jacumba, “somebody help me their`s a rock at the road”. A quarta banda que faz parte da história de Victor Torpedo são os Parkinsons, sem o infatigável Afonso Pinto que reside no Reino Unido, onde fizeram sucesso e foram a primeira banda constituída maioritariamente por portugueses a actuar em Glastonbury. A imprensa inglesa apontou-os como a “next big thing”, as suas actuações foram descritas como “the dangerous band on earth”, com a presença regular de inúmeras estrelas Pop como o Brett Anderson. Talvez por estas razões irão executar quatro canções, a primeira é cantada por Victor Torpedo “just another new wave”, com direito a um solo épico tocado no meio do público delirante; a segunda, Victor Torpedo dá a mão a um membro do público, “Cunha, é bom de mais para estar em cartazes”, que segura o microfone: “Common baby you have nothing to lose”; a terceira é de novo cantada por Victor Torpedo, tal como as anteriores é profusamente punk, que dedica ao “Pedro Xau e ao Kalo”, pois estes, “foderam as suas vidas por minha causa”; a quarta canção é a “última dos Parkinsons e chama-se ´Runing`”, “é dedicada ao Afonso Pinto”, que é de um compósito explosivo, um manancial de histeria contra a utopia. A quinta banda a ser evocada são Blood Safari com Victor Torpedo (voz/guitarra eléctrica), Kalo (bateria); Pedro Xau (baixo eléctrico), a única canção que tocam corresponde a um dramatismo pop billy de contornos exóticos. Last but not the least the Tiguana Bibles a jóia da coroa que pertence a Victor Torpedo que chama ao palco, “Pedro Serra, Augusto Cardoso” e “a magnífica Tracy Vandal” e na bateria o Nito. As três canções que apresentam são de uma delicadeza desarmante, se fosse uma película esta remeteria para um deserto onde a fauna não é submissa aos ciclos da natureza, aceitando como determinação suprema uma imutabilidade imune às tempestades. O contra baixo de Pedro Serra e a voz de Tracy Vandal são dois eixos que perpetuam uma irremediável intemporalidade, com as guitarras eléctricas a salpicarem o plateau com cowboys que são meros espectros informes, que estão enclausurados numa dimensão de onde jamais serão resgatados. Após duas horas no palco do Salão Brazil, Victor Torpedo impõe um curto intervalo, quando regressa já é a figura de um astronauta que em Marte encontrou uma fonte de onde brotava um líquido vaporoso e com o qual matava a sede. “Karaoke” advém do seu primeiro álbum a solo denominado de “Raw” editado em Maio deste ano, consiste na anulação dos músicos substituindo-os por canções pré-gravadas predominantemente kitschs, durante as quais são pojectados vídeos com legendas para serem cantadas pelos convidados, e consequentemente dividirem o microfone com Victor Torpedo, que chama paulatinamente ao palco os músicos que já haviam participado na primeira parte do concerto denominado Special Crimbo: Kalo, Carlos Dias, Calhau, Padilha, João Rui, Tracy Vandal, Toni Fortuna, Paulo Eno, Calhau, Marquis Cha Cha; o actor Ricardo Seiça Salgado e o imprevisível MC Ruze ou o artista plástico/ex-Repórter Estrábico António Olaio.
Victor Torpedo, Special Crimbo + Karaoke, 26 de Dezembro, Salão Brazil @ Coimbra
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