segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

A Long Way To Nowhere

Coimbra tem as paredes dos edifícios pintados de chuviscos, há uma pacatez deprimente que é institucionalizada pelo cair de uma sombra própria das dezoito horas de um Sábado travestido do mais sujo Domingo, poderia ser Janeiro mas nesse caso já estaria mergulhado na escuridão, antes é Fevereiro. O Teatro Académico Gil Vicente, casa onde as tunas e o fado ecoam durante a Primavera, tem no cartaz o documentário: “A Long Way To Nowhere”, sobre a carreira dos Parkinsons que se encontram na plateia assim como a realizadora Caroline Richards. A obra revela um potencial narrativo tão assertivo quanto equilibrado, na essência seria viável sem o discurso directo de qualquer membro da banda ou a esta ligada, o segredo está na fantástica montagem que é fundamental para instituir uma narrativa que segue a linha do princípio meio e fim, mas que é apresentada tão sub-repticiamente quanto intuitivamente, o resultado é um documentário que evoca o ano de 2000 como ponto explosivo dos Parkinsons pelos clubs da entediante Old London Town. Há uma caracterização aprofundada das suas performances auto-destrutivas, vorazmente apresentadas como se a efemeridade estivesse a corromper a carne que perfaz o ego, a violência é estipulada como denominador comum, a nudez que é a última fronteira que cerca a moralidade é constantemente violada. O punk que criaram e recriam num infindável círculo obsessivo compulsivo advêm da distorção da guitarra eléctrica de Victor Torpedo e do canto canibal de Afonso Pinto, que paradoxalmente encontravam no baixo eléctrico de Pedro Xau, um tímido que tem o culto da introversão, uma segurança inesperada, quanto ao quarto e último membro da banda que era o baterista alternou periodicamente. Por entre este torpor de violência emerge um constante humor, decorrente das situações absurdas em palco dos Parkinsons, ou das perspectivas dos diferentes e diversos intervenientes que procuraram compor ou decompor os factos que pareciam ter ocorrido a personagens criadas para chocar ou destruir. No Reino Unido passaram pelos festivais mais importantes e emblemáticos; a digressão pelo Japão contou com trinta concertos em vinte e dois dias, algo que nenhuma outra banda ocidental igualou até à data. Em Londres gravaram dois registos, o segundo já sem a prestação de Afonso Pinto e quem o substituiu foi Victor Torpedo que era o cérebro da banda em termos artísticos. “A Long Way To Nowhere” é uma obra que intencionalmente se afasta do cliché sexo drogas e Rock and Roll e surpreendentemente evoca o sangue suor e lágrimas, transforma os Parkinsons em pessoas sensíveis e inteligentes, que tinham um ideal que passava por instituir a beleza através do ruído, consecutivamente abolir a alienação da consciência para que esta reagisse perante o presente.
A festa comemorativa da exibição de “A Long Way To Nowhere” continua no Salão Brazil e os convidados dos Parkinsons são os The Dirty Coal Train um trio composto por Kalo (bateria); Jesse Coltrane (voz/guitarra); Conchita de Aragón Coltrane (guitarra eléctrica/voz). O concerto está a decorrer com um groove agressivo visceralmente sujo, açambarcando um cromatismo garrido que retira as canções da moldura garage. Há que salientar que a Conchita de Aragón Coltrane, para além da sua irrepreensível prestação com o infatigável Jesse Coltrane, tem um rosto tão exótico e enigmático quanto o da Frida Kahlo, as suas pernas que espreitam do seu vestido cinzento replicam espingardas que disparam recorrentemente uma beleza inebriante, este efeito especial tem origem na batida quase animal do Kalo. Os Parkinsons estão a debitar a sua cornucópia de sons que instala a anarquia associada à loucura no público, que faz do palco um lugar-comum sem que haja uma distinção clara entre o que é sagrado e o que é profano: há troncos nus; uma mulher senta-se no palco para jamais o abandonar, por vezes dança e meneia os seios entaipados no top branco; o Kazuza é um eco oco de tanta repetição da mesma entoação; há quem carregue o Victor Torpedo nos braços enquanto executa um dos seus únicos e por isso magistrais solos; Afonso Pinto é roubado do palco como se fosse uma carcaça de um ser que se recusa a seguir para o corredor de abate; a Paula Nozzari e Pedro Xau são a viga onde tudo assenta suportando o ricochete das canções. As paredes negras do Salão Brazil escorrem uma lava de suor fumegante transformando-o num espaço suspenso num tempo marginal, que através da violência sonora provoca uma sedução inebriante, e o sangue que mancha o chão é poeticamente punk.

“A Long Way To Nowhere” realizado por Caroline Richards, Teatro Académico Gil Vicente, 6 de Fevereiro @ Coimbra.

The Parkinsons + The Dirty Coal Train, Salão Brazil, 6 de Fevereiro @ Coimbra.

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