Surge um homem de cabelo branco é magro e tímido veste casual, chama-se Manuel Göttsching e segura um microfone timidamente como se o uso da palavra em público fosse algo tão intimidante quanto desnecessária, havia sido recebido com palmas no Teatro Académico Gil Vicente, “good evening”, “it`s a great pleasure” estar em Coimbra a convite da “RUC”, “I never performed in Portugal before”, julga que apenas tocou “eleven times ´e2-e4`” mas teve o cuidado de preparar uma “original version” (uma actualização da obra editada em 1984); “I hope you enjoy it”; “and thank you”; senta-se numa secretária com um Mac iluminado por foco austero, e os sons que as colunas projectam têm uma batida dançante com profundidade provinda do baixo, no ecrã os quadrados vermelhos movimentam-se constantemente da esquerda para a direita, algo que se torna hipnótico e consequentemente obriga a consciência produzir um sonho acordado-- o minimalismo é um ponto transversal às canções apresentadas em regime de non stop providenciando inúmeras texturas dinamicamente sobrepostas-- mas não pretende evocar a alienação de uma felicidade artificial, introduz pequenos apontamentos da flauta, ou o som concreto de um pássaro a chilrear para criar disruptivas narrativas que nos permitem viajar num habitat natural como as instalações da Yayoi Kusama. Gradualmente a música perde o seu pendor dançante e ganha uma amplitude pesada, como se fosse a origem do tecno, no ecrã os quadrados formam um muro que poderia ser o de Berlim em 1984, grafitado com versos do “Heros” de David Bowie, que é destruído por notas paradoxais de loops do baixo e do bombo; o teclado é manipulado ao vivo por Manuel Göttsching que o introduz paradoxalmente no fluxo minimal; durante o qual insere uma guitarra eléctrica, que sola diversas vezes mas como se fossem apontamentos blues (instaurados a partir de um único centro melódico) que enaltecem o kitsch, que colonizam o minimalismo pesado resultando no vanguardista krautrock, são posteriormente substituídos por um quarteto de cordas como o grasnar de pássaros cegos, que alternam com a guitarra prog-rock-- paralelos à batida poético minimal-- os violinos ondulam e reintroduz a guitarra eléctrica que é na essência punk, a máquina reprodutiva de sonhos psicadélicos anuncia gradualmente aos passageiros que o desaparecimento do padrão vermelho do ecrã aponta para o esvaziar de um corpo camaleónico alimentado pela mais puras das energias eléctricas: “e2-e4”.
Manuel Göttsching, “e2-e4”, 30 anos de RUC, Teatro Académico Gil Vicente, 4 de Março @ Coimbra
domingo, 6 de março de 2016
O Meu País Inventado
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