Aveiro parece uma cidade sitiada por uma tempestade que lhe oblitera a sua beleza, nas ruas as pessoas abrigam-se nas paragens de autocarro e a polícia orienta o trânsito para longe dos canais; desligo o auto-rádio que emite cançonetas inócuas que são as mesmas de estação em estação; e milagrosamente estou parado à porta do GrETUA (Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro), que tem uma tenda branca arábica que dá acesso a um bar com sofá e a um Dj. com um capacete que lhe tapa a cara como uma máscara futurista. Na sala Caixa encontra-se o dueto Motel 808 composto por Raul Mendiratta nos sintetizadores e Tiago Cardoso na bateria, a lógica que instituem é devedora da música electrónica-- em que os sintetizadores predominam e a bateria complementa-a dando-lhe uma textura mais orgânica--; as canções cumprem as regras instituídas a meio da década de noventa do século passado no Reino Unido e são de tal forma vinculativas que não há nada de relevante para descrever. No palco do bar estão a tocar os Sax on the Road que correspondem ao Torré (saxofone), ao António Pinto (trompete) e ao Jorge Nunes (percussões). As canções que apresentam revelam-se deveras interessantes, seja pelo uso dos metais que é variável de tema para tema, seja pela precursão variada (ferrinhos, xilofones, tamboretes), que procuram enquadrar nos samplers que em loop criam diversos universos sonoros. A viagem sónica percorre diversas geografias, mas concentrada na Europa e em África; talvez as mais pungentes sejam as que transpõe samplers das recolhas do Michel Giacometti, e as que evocam as bandas de metais que saem às ruas em Espanha durante a semana santa a acompanharem os andores. No meio da sala Caixa está instalado um palco sobre o qual se encontra uma jovem que tem à sua frente um computador e uns pratos-- isto do que é perceptível para quem está sentado no escuro a observá-la. Eosin apresenta uma suite de inigualável equilíbrio tendo por base a música concreta: seja o canto de uma tribo africana; sons abstractos; etéreos; os sons da natureza e de instrumentos acústicos; o órgão de igreja; motor de um avião, etc.); numa lógica repetitiva em que um destes elementos é o ponto de fuga à abstracção, mas estas premissas encontram-se meramente segmentadas, ou, em oposição como sucede por exemplo na relação: vozes africanas versus som digital (o primitivo versus o contemporâneo). Eosin assemelha-se a uma ditadora que se limita a enumerar diferentes e diversos universos sonoros, mas a forma é puramente académica, ignora-- talvez por preconceito ou por inoperância-- que ao misturar os distintos elementos poderia criar um quadro abstracto. No palco Caixa encontram-se os Ghost Hunt: Pedro Oliveira (sintetizadores, guitarra eléctrica) e Pedro Chau (baixo eléctrico e voz). As suas canções têm por princípio a música electrónica, que desenvolvem fluxos que se repercutem repetitivamente, ou, sobrepõem-se gradualmente como se fossem anémonas a libertar electricidade no fundo de um aquário; instituem um psicadelismo synth modelado em elipses antagónicas que criam um circuito sonoro que induz a uma paz tóxica. O palco do bar é tomado pelos PSICOTRONICS compostos por Pedro Antunes (guitarra e baixo eléctrico); Victor Torpedo (guitarra eléctrica) e o Marquis de Cha Cha (voz). As suas canções têm uma estrutura synth kitsch (os loops têm origem num computador), onde a guitarra eléctrica de Victor Torpedo inscreve riffs que as tornam épicas. Os três apresentam uma performance absurda pois ignoram o palco e misturam-se com o público que preenche a sala exígua; a voz do Marquis Cha Cha é a de um crooner demoníaco que contrasta com a sua lingerie preta, boina e óculos redondos castanhos.
Aveiroshima2027, 03 de Dezembro, GrETUA
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