segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

The Wind from Nowhere

O centro do Salão Brazil encontra-se ocupado pelo backeline dos peixe: avião composto: por teclados, guitarras eléctricas, baixo e bateria, rodeados por lâmpadas fluorescentes. As luzes do sala apagam-se enquanto das colunas ouve-se um motor de um objecto voador não tripulado a aterrar, as lâmpadas fluorescentes acendem-se e projectam uma luz vermelha; surgem cinco figuras: José Figueiredo (baixo eléctrico e teclados); Luís Fernandes (guitarra e teclados); Rolando Fonseca (voz e teclado); André Covas (guitarra e teclados); Pedro Oliveira (bateria). “Fénix” é o ponto de partida para um concerto em que os peixe: avião apresentam canções estruturadas em sintetizadores que projectam texturas que convocam um universo austero que se propaga numa geometria abstracta, que aparentemente se sobrepõem ou se conjugam paradoxalmente, quando associam as duas guitarras e baixo devidamente processados constroem um jogo que emana uma violência contida que em vez de atrair o ouvinte o rejeita, e nem a voz é utilizada de forma convencional sendo um canto etéreo que narra um vazio inexpugnável. Sendo assim é errado denomina-las de canções talvez uma suite que desdenha a pop, pois reproduzem domínios em que não existe um princípio, meio ou fim ou tão pouco qualquer refrão, assim cativam um universo visceralmente fascista porque discriminam a natureza humana e consequentemente valorizam as máquinas (computadores) como centro de uma sociedade em que dominam os robots que segregam e hostilizam os humanos. Pode-se associar peixe: avião a um futurismo sci-fi mas para tal é obrigatória a leitura de clássicos da literatura como por exemplo: “The Wind from Nowhere” (1961) de J. G. Ballard; ou, o visionamento de “2001: A Space Odyssey” (1968) do Stanley Kubrik e a audição de “Low” (1977), "Heroes" (1977) e “Lodger” (1979) do David Bowie, para que as “canções” façam sentido ao ouvinte e que este possa apoiar-se nestas referências para suportar a experiência sónica moldada para irradiar um quadro que é por natureza opaco; e eventualmente perspectivar uma profecia que nunca se irá cumprir, como se a narrativa dos peixe: avião fosse constituída por normas utópicas que recriam uma atmosfera em que o ar é substituído por uma substancia tóxica que metamorfoseia os corpos e por essa via a sua consciência. O círculo que os peixe: avião ocupam é iluminado por uma luz vermelha representativa de um núcleo, que tal como olho do furacão irradia para o exterior numa onda informe, e que tem a pretensão de incutir uma experiência a nómadas que almejam conquistar o espaço sideral, há que ter coragem e saltar para o vácuo para comungar com um sepulcro tão sedutor quanto mortífero. “Peso Morto” é a penúltima “canção” que propõe ao ser humano abandonar o seu corpo sem que lhe seja necessário recorrer aos sonhos ou aos pesadelos ou às drogas, a sua virtualidade é o único garante de uma satisfação imagética, mas que simultaneamente lhes obliteram os sentidos e os vergam perante a sua mortalidade. Esta lava sonora que circula num sentido que não tem a lógica do tempo real, associa-se a uma esfera que é o ponto de partida para libertação da consciência a favor de algo desconhecido, e que para uns representa um passo no desconhecido para outros uma viagem aos confins de uma caverna hight tech que simboliza a separação do indivíduo da sociedade consignando-mo a uma solidão que lhe alimenta o ego e o satisfaz. “Prismas” é um jogo que texturas que matematicamente se encaixam e gradualmente formam uma fortaleza sonora sobre a qual é vertido um óleo fervente que se instala e que gradualmente anula quem esteja em seu redor, e nesse instante os cinco músicos transformam-se em chamas que se condensam em figuras de seres vivos que se projectam num cosmos que virtualmente é concebível à razão.

“Fénix Tour”, peixe: avião, 09 de Dezembro @ Salão Brazil