segunda-feira, 20 de março de 2017

Tearing Down the Wall of Sound: The Rise and Fall of Phil Spector

Um som distorcido sai das colunas do GrETUA onde decorre a quarta edição do festival Aveiroshima2027, à minha volta estão diversas pessoas em pé que me impedem de identificar quem são os responsáveis pela música, provocam-me uma claustrofobia súbita e obrigam-me a sair para a sala adjacente, onde demando uma cerveja para me libertar da vertigem, respiro aliviado quando o álcool se introduz na minha corrente sanguínea; reentro na sala e o som parece-me mais alto-- para me precaver de um outro desequilíbrio sento-me na plateia— o responsável é François R. Gambuzat que tem uma voz grave e empunha uma guitarra eléctrica ao cirandar por entre o público, e Gianna Greco de cabelo encaracolado e de saia preta acima dos joelhos que toca um baixo eléctrico, debitam sobre programações rítmicas que remetem para um neo-industrial e ou pós-industrial que é dilacerante dada a sua repetição; após a qual François R. Gambuzat discursa sobre a vida árdua de um colectivo independente: não editam Cds, organizam os ensaios, estão juntos há quatro anos, marcam a digressão (irão tocar no Festival Músicas do Mundo em Sines); aproxima-se a Gianna Greco que sustém uma t-shirt preta com a inscrição a laranja “Putan Club”, apelidada de “pijama” e que é uma das suas fontes de rendimentos; este relatório entra em contradição com a música do dueto que é marginal e inquestionavelmente a antítese de uma locução economicista; “one more” e a canção é de uma violência inquietante-- a Gianna Greco sobe para a plateia-- por ser tumultuosa e o sampler exótico induz a um universo marroquino perfumado por haxixe, à minha frente encontra-se a italiana que controla o meu joelho nos seus, fixo o seu olhar com sombras num rosto redondo e na testa pendem caracóis negros, a sua selvajaria é tão sedutora que me cativa e anula a minha timidez, “aua”, e toca o baixo eléctrico como se fosse um artigo fetiche, não o oiço e tento imiscuir-me nos seus pensamentos e por instantes comunicamos num lampejo de luz invisível.
Os segundos convidados a surgir na sala obscura são os Holocausto Canibal, um quinteto de rapazes de preto com cabeleiras compridas, apresentam duas guitarras super-distorcidas e muito altas que formam uma parede sonora composta por punhais, quanto à secção rítmica é de criticar o baterista (talvez a bateria não seja a que está habituado), o canto do R.S é um gutural que impossibilita descodificar a língua que usa; no intervalo de um dos temas o frontman informa que: “Os Holocausto Canibal fazem vinte anos”; durante outra canção alguns fãs praticam mosh e os seus ossos embatem sobre a madeira num eco cavernoso, destes há quem tenha uma t-shirt elucidativa da sua rebeldia: “Fuck Me Jesus”; R.S olha para a plateia que se encontra à sua frente e sublinha: “Nunca estivemos tão perto do público”, e debitam um trovão ensurdecedor; a aparente escassa mosh irrita-o: “Têm medo da mosh? Agora xingue-se!”.
Dos djs destaco-- foi impossível ver o Ogata Tetuso-- o Guvibosch que parte de uma base sonora que por norma é festiva sobre a qual e insere um ritmo synth como se fossem congas que induzem à dança, destituído de preconceitos morais ou de outra ordem…
Dragão Inkomoda introduz um ritmo minimal e improvisa diversos e lúdicos sons que sucessivamente ora se encaixam ou se sobrepõe, mas sempre com o cuidado de construir uma narrativa sonora deveras elegante que se demarca do clássico princípio-meio-fim, produzindo imagens que somadas formam a big picture.
Dead Pirates Society tem um modus operanti de um terrorista que remistura clássicos da pop/rock, algo que aparentemente poderia ser démodé é de uma eficácia tão subtil quanto inteligente, as canções ganham uma nova perspectiva e nessa medida o seu set é de uma mestria atroz.

Aveiroshima2027, 18 de Março, GrETUA

In loving memory of Chuck Berry