segunda-feira, 24 de abril de 2017

Manifeste du Surréalisme

À entrada do Texas Bar numa localidade com uma designação deveras sugestiva pois amada pelos humanos: Amor, onde tenho encontro marcado com os Parkinsons e os Cavemen, a senhora ao balcão estranha o bloco de notas e a minha questão, “os concertos já começaram?”, a resposta é reticente, “já, começaram agora mesmo”; no interior oiço uma música que não associo aos dois grupos (que no cartaz que circulava na internet se adjectivaram de “savages”) ao procurar o palco de onde vem a música encontro um homem de negro com umas listas brancas de índio numa cabeça careca que se baptizou de mARCIANO, as suas canções são predominantemente synth pop que são transmitidas por um Mac, e as letras versam amores perdidos ou frustrados mas primam por lógicas românticas que não se conseguem afastar de lugares comuns, e a sua voz não acompanha o dramatismo da sua gestualidade algo que lhe oblitera a dor, mas há uma ambição desmedida em atrair a atenção do público, porém falta-lhe a ousadia de instituir mistério à sua persona que deveria exaltar como centro a ambiguidade e apresentar-se-ia através de um universo de lantejoulas ou plumas e se esta excentricidade fosse sonoramente coincidente mereceria um palco maior que não tivesse uma pipa e umas redes de pesca sobre a sua cabeça e não estaria uma jovem a ser tatua a escassos metros do mARCIANO; há a censurar a versão de um fado da Maria da Fé e o histerismo canino no último tema “Cães”. Num outro palco surge os Cavemen quatro rapazes que se dividem pela voz, guitarra eléctrica, baixo eléctrico e bateria e que apesar do som abafado das colunas procuram ganhar a atenção do público, e quem assume esse papel é o Paul Caveman que se insurge continuamente contra a apatia dos presentes e canta como se o amanhã fosse apenas uma ficção determinada por alguém demente, as canções são curtas e rápidas sem que haja lugar para que o ouvinte tenha tempo de as distinguir, e a semi-distorção é um elemento comum que dominam exemplarmente e que com o decorrer do concerto faz balançar os corpos dos cépticos; o único ponto negativo foi uma canção que principiaram e que não conseguiram finalizar assertivamente. Os selvagens que se seguem são os míticos Parkinsons que sob as luzes que variam entre o azul o amarelo e o vermelho descarregam uma força sonora que de canção após canção se transforma numa massa rude e grotesca da qual sobressai a voz em delírio do Afonso Pinto e os solos épicos do Victor Torpedo, há pessoas que sobem para o palco mas o tumulto é vivido pela plateia como se estivessem sob o efeito de uma droga que os pôs em transe, acompanhados por um baixo eléctrico irrepreensível do Pedro Chau e a bateria da Paula Nozzari, que se levanta no intervalo das canções para relaxar os seus músculos dos braços e das pernas cobertas por meias rendadas; sensivelmente a meio do concerto são acompanhados pelo teclado do Jorri que introduz uma perspectiva esquizofrénica a um muro pejado com cartazes pró-abjecionismo.

CAPITÃO VI Embarcação, 22 de Abril, Texas Bar