A sombra é um véu translúcido que cobre a Festame dedicada ao porco fonte de riqueza e por isso um símbolo assado da Mealhada que é consumido em diversos restaurantes improvisados com vista para um certame de bens de consumo; cada sandes de leitão representa a derrota da antropofagia em que os ricos comiam os pobres num hotel sumptuoso com tantas estrelas quanto os dedos de um amputado por ter roubado das chamas de um raio um braço de um macaco; quem detinha o fogo era um soberano que o acendia ao cuspir álcool para um crepitar de pedras que ao chisparem se transformavam na voz do dragão que amedrontava os seus descendentes que se ajoelhavam por se verem submissos a uma prisão de espírito, faziam promessas de um parricídio exemplar que os emanciparia do jugo que os seduzia e do qual eram incapazes de se rebelarem e executarem o atentado sobre o coroado; o palco Rei dos Leitões é ocupado por três músicos Samuel Palitos (“the man machine”) na bateria, Tiago Maia (“cool as fuck”) na guitarra eléctrica e Paulo Borges (“cowboy kitsch”) nos teclados; que formam um rectângulo com a entrada em cena do Jorge Romão no baixo eléctrico e do Tóli César Machado teclados, acordeão e guitarra eléctrica e Rui Reininho voz e maracas que se apelidam de G.N.R (Grupo Novo Rock), completam este ano trinta e seis anos a calcorrear Portugal a imporem o bom gosto pop/rock por províncias pobres e tacanhas alimentadas pela ignorância que é estimulada pelo medo e neste combate invisível ainda não houve vencedores, mas o país contemporâneo e predominantemente urbano associa-os a uma sofisticação melódica e lírica que culturalmente os enriqueceu; a primeira canção é o slow pop “Bem-vindo ao Passado” que é um indutor fantástico para introduzir o vulgo num universo em que impera uma melancolia que pretende agitar a consciência, seguida pelos épicos “Vídeo Maria” e “Efectivamente”, estas e as seguintes são executadas com um nível de segurança considerável que lhes permite serem por vezes substancialmente descontraídos algo que enriquece o concerto por o inscrever num círculo em que domina o risco que entra em contradição com a postura sóbria e concentrada dos G.N.R que revelam respeito pelos presentes; há um Leitão que durante as canções é constantemente deselegante para com o Rui Reininho que o tentou desconsiderar cordialmente, este canta sentidamente como se fosse a primeira vez algo que é simbolizado pela alteração dos versos que perturbam os ouvintes e lhes provocam distanciamento sobre a poética, e a sua posse é a de uma estátua que se movimenta com a elegância de quem nasceu com a “star quality”; “Impressões Digitais” é a assumpção de um ludismo com um groove viciante e “Las Vagas” um monumento pop psicadélico que é tão belo quanto efémero; Jorge Romão é o ponto seguro onde convergem ritmicamente e é essencial para circulação seja da melodia ou da atenção para com o canto do Rui Reininho; e quando há multidões transforma-se numa figura incansável que tem o poder sub-reptício de os dominar conduzindo-os para o êxtase; quanto a “Nova Gente” é rural-urbana que segundo os estetas é um retrato kitsch deste “Porrtugal” como canta Rui Reininho que como é público é “larger than life”; e encerram o concerto com a fúnebre pop “Morte ao Sol” que é liricamente surrealista; e durante o encore a veraneante “Dunas” despega-se uma das peças da bateria do Samuel Palitos que não os impede de aceitar a situação descontraidamente; “last but not the least” Tóli César Machado é uma figura tutelar por duas razões: é o único que fez parte da fundação da banda e por ser responsável de grande parte das suas composições; e no palco tem um comportamento tímido que por vezes o coloca numa discrição inconsequente que é anulada quando toca o piano ou usa o acordeão; e a antepenúltima é “Telefone Pecca” que tem a urgência de um discorrer pop que parece ter sido talhada para a era dos Smart Phones e sem que acabe dilapidam o Roberto Carlos “Quero que Vá tudo para o Inferno” que ganha uma textura rock com laivos pop e a enquadram com o materialismo reinante.
GNR, 11 de Junho, Festame 2017
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