A luz difusa ilumina dois corpos distantes que dão as mãos em direcção a um horizonte diáfano, onde andorinhas construiriam ninhos de espinhos e assobiariam “Bem-vindo ao Passado” e estátuas transportariam corações feridos por punhais bicéfalos que explodiriam num rasgo exangue; guardo num cofre o sonho induzido pelo ópio; e mergulho numa vertigem invertida onde me espelho num torpor que me divide em personagens que têm em comum uma caixa de ritmos que bate fielmente pelo futuro, entrelaço-me nos braços de uma ninfa que fora abusada por Camões num canto dos “Lusíadas” e segredo-lhe que eu não sou eu nem um outro e nem tão pouco o meu reflexo que se transmuta consignado ao passado, oiço o seu murmurar enigmático em que não me descubro como um ser humano condenado a uma sombra tímida contaminada pela tristeza; encontro-me no OOD (bar) onde confluem os loosers de Coimbra a propósito do aniversário do poeta Alexandre Valinho Gigas que se encontra atrás da mesa do Dj ladeado por Carlos Dias (teclado) e Pedro Antunes (teclado) o primeiro inscreve um contínuo sustenido e o segundo é dissonante a instituir a distopia, o poeta verte o fumo do cigarro pela sua boca e desfere para o microfone: “Um punhal a arder”; “uma pomba a arder”; “conseguirás chegar à praia?”, os teclados inscrevem-se agudamente e angustiantemente e surge um beat de uma caixa de ritmos que lentamente marca a métrica do verso: “Encontrei-me aqui entre mim e a enorme sombra”; “poesia”; o ritmo acelera e “cheguei por isso”, “a mexer cá dentro”; “na distância de ser poeta/ Na distância de ser poeta”; “sou um poeta da vida”; “sou um poeta que grita calado”; “falas da morte”, “quero falar de paixão”, ouvem-se os teclados a suprimirem os silêncios do poeta e o beat é ainda mais acelerado, “sonho inquieto que se vai perder de vista”, “fraterno”, “fixo os olhos”; “uma”, “amor”, “respira respira futuro”, a cadência melódica e rítmica é ondulada mas contida como se fosse a areia de um deserto soprada por Cronos, “o teu futuro está nas tuas mãos”, “solitárias”, “respira o futuro”, “acredita no futuro”, “futuro”, “acredita nos outros”, “mordes nos que acreditam em ti”, e o ritmo sobrevém e não há uma secura na dor do poeta, “como é o futuro?/ Como é o futuro?”; silêncio; e as máquinas retomam uma outra canção seguindo uma cadência lenta; e encontro o meu reflexo no verso: “À frente dos olhos, malvada obra-prima”, a envolvência dos teclados lo-fi induzem à atenção, “carnes gordas”, “obra-prima não sabe nada”, “frio”, há uma aparente dissonância dos teclados que parecem agulhas pontiagudas num urso de peluche, “o inferno é o meu alimento”, “amor”, “o inferno é o amor/ O inferno é o amor”.
Aniversário do Alexandre Valinho Gigas com Carlos Dias e Pedro Antunes, 16 de Julho, ODD
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