O Texas Bar não tem carros estacionados ao seu redor que indiciem que no seu interior irão decorrer dois concertos apesar de faltarem poucos minutos para às dez da noite hora marcada para o seu inicio e para o qual terei que esperar até às onze e quarenta e nove minutos para ver os Me And My Brain e das cinco canções apenas três merecem ser recordadas porque não são meras estruturas sem uma lógica instituída e que jamais deveriam ter sido tornadas públicas as que se safaram têm um problema de originalidade acentuado e como tal não acrescentam mais-valias ao drum and bass ou ao trip hop com a agravante da voz em eco ser um elemento dissonante por na maioria das vezes não se perceber em que língua é que está a cantar num contínuo que não lhes acrescenta um elemento sensorialmente apetecível; The Telescopes são um quinteto que se expressa através de um noise que pretende ser espacial e consequentemente psicadélico mas este último é conseguido em apenas uma canção das seis que executaram em regime de non stop como se dispensassem as palmas do escasso público redundado em música depressiva para deprimidos e o revelador disto é a postura dos músicos que têm cabeleiras a encobrir-lhes o rosto e a movimentação do vocalista é de alguém que se encontra ausente e a sua voz apenas uma vez fez sentido e conseguiu comunicar o seu desespero sufocante e ainda roçaram o ridículo quando dois dos seus elementos estiveram a emitir sons directamente dos pedais com as suas mãos com a conivência dos restantes elementos durante pelo menos dez muito sofríveis minutos revelando que o noise não pode ser um decalque do produzido durante a década de setenta do século XX em Nova York por músicos de vanguarda para além de não terem um conhecimento aprofundado sobre a matéria dada a fragilidade estilística com que fora apresentado; resgato o álbum das fotografias do tapete de Arraiolos e sento-me num sofá castanho com espaldar em madeira e folheio-o e não há em mim um lampejo de saudade de quando era criança e ou adolescente numa festa de anos de uma vizinha que era tão bonita quanto a irmã e que tristemente emigraram para a Austrália acenando promessas que voltariam para descrever como é viver nos antípodas mas tal nunca sucedeu e numa quinta com um estábulo repleto de crinas que abanavam e relinchavam quando reconheciam o meu pai e a minha mãe que lhes iriam encher as manjedouras de palha e se algum estava lesionado receberia a visita de um veterinário e alguém calçaria os cascos de salto alto às éguas e de sapateado aos machos para bailarem por entre os obstáculos que saltavam elegantemente num calculado suspiro e sonhava ser como o meu pai um cavaleiro com a sua princesa a passear por colinas e prados verdejantes onde floresciam os amores imperfeitos que perdiam as pétalas às mãos de um pastor que orientava o rebanho de ovelhas com a ajuda de um cão da Serra da Estrela e na última pétala a flor dizia-lhe que o seu amor seria correspondido e que poderia cantar-lhe à janela uma cantiga de amigo que ela viria à janela e acenar-lhe-ia e prometeria cumprimenta-lo à porta da capela e fazer-lhe-ia companhia enquanto o padre faria a liturgia e numa fotografia a preto e branco estou ao colo do meu pai disfarçado de Pai Natal a montar um jumento que urrava com medo das luzes intermitentes da árvore de Natal e entregava-me à minha mãe que ria de macacão com bocas-de-sino e depunha-me no presépio e era visitado pelos reis Magos com a suas oferendas exóticas que aceitava como se fossem uma bênção e uma estrela com uma cauda de fogo preso sustinha-se sobre as nossas cabeças e corava-nos com uma felicidade que parecia eterna e num outro dia ouvia a minha mãe a trautear as canções que marcaram a sua vida e eu imaginava em que espaços é que se encontrava e com quem os havia partilhado e se eu já existia ou era somente um desejo secreto da sua condição de mulher que partilhava a sua atenção com todos os animais da nossa quinta e há uma outra fotografia com vários homens e mulheres sentados em redor de uma mesa de pedra que sorriam para a objectiva que tinham como cenário uma paisagem naturalista e eram servidos por senhores com papillon que limpavam a lágrima de fancaria que escorria pelo gargalo da garrafa de vinho tinto e uma criança atirava uma bola de golfe para o fundo da piscina e mergulhava para testar a apneia e quando chegava à superfície gritava de felicidade por ter atingido o objectivo de salva-la do fundo azul e os casais rejubilavam com a sua proeza e erguiam os copos elegantes que tilintavam em lampejos de sinos de anjos que perpassavam os seus corpos emanando uma energia que os revigorava e os prevenia de não se surpreenderem com os pormenores que a vida lhes oferecia e numa outra na porta da igreja Matriz encontro dois idosos que ladeiam um casal que se havia casado que sorriam como se fosse o dia mais feliz das suas vidas e os noivos beijavam-se e ouviam as palmas dos amigos e familiares que festejavam a sua união benzida pela igreja católica e de seguida entravam para um carocha com fitas e escritos a baton nos vidros que arrastava latas provocando um ritmo alternado que ecoava como se fossem badalos ocos e por fim encontro-me sentado numa mesa de madeira escolar do Estado Novo a ouvir a professora da qual não me recordo o nome mas que erguia a régua quando alguém não sabia de cor a tabuada como sucedeu num dia que quase me fez sangrar a palma e saltar as lágrimas à frente dos meus colegas que sorriam amedrontados por serem as próximas vítimas.
The Telescopes + Me And My Brain, 3 de Outubro, Texas Bar, Amor.
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