O festival Aveiroshima2027 celebra o Halloween com dois concertos: Ângela Polícia e os Estado de Sítio e com uma dupla de djs Fulano 47 e Señor Pelota, a primeira convidada é um MC com um PC que derrama beats que se encaixam na perfeição na melodia criando quadros de um dramatismo muito bem conseguidos mas o senão são as letras que versam na sua maioria sobre a discriminação racial, a alienação, o abandono e a luta de classes que são de facto muito pobres porque o MC não conhece o seu real significado; Estado de Sítio são um quarteto que tem uma adolescente na bateria algo que contrasta com a posição agressiva dos restantes membros que debitam uma distorção incontida e tremendamente alta e o cantor grita slogans contra a sociedade consumista e as suas canções têm nomes como: “Porcos Fascistas”, “Pobre e Rico”, “Raça Alienada”, “Olhos de Merda”, “Heróis sem Pátria”, “Olho por Olho”, que são testemunhos de uma perspectiva de rejeição punk aos ditames impostos pela sociedade na qual estão inseridos e que instalaram a desordem no público; o Fulano 47 e Señor Pelota apresentam um set partilhado em que divagam pelos diversos meandros da música de dança; há algo neste cofre que não consigo identificar ou parece uma máscara chinesa ou do teatro grego e ao retira-la analiso com atenção os seus contornos e o enigma mantém-se como se fosse uma máscara mortuária que encerra os segredos da morte e pergunto-me a quem pertencera e ao averiguar que género de alma a habitou surge um rosto lívido de olhos fechados que sorri num milagre que é uma energia que se apropria do meu corpo e uma convulsão cresce a partir do meu estômago e propaga-se num tufão que me dilacera como se fossem as pás de um helicóptero a raspar o musgo nas paredes do meu coração que o perturbava de amar e a cortar o meu fígado embebido em cerveja para resgatar o amor e o intestino estava ferido por uma nódoa cancerosa que alastrava silenciosamente pé ante pé e ensaio coloca-la sobre a minha cara e parece que foi moldada por alguém que havia acariciado os contornos inanimados do meu rosto na penumbra de um quarto com cama de dossel num trópico onde as melgas eram mechas à procura de sangue e as palmeiras sustinham cocos que desmaiavam ao meio dia e haviam espectros a brincar na areia que pareciam crianças assassinadas por pedófilos e a tartaruga que lentamente cavara na margem um buraco para parir e de seguida se fez ao mar cumprindo com os ditames de Deus que censurava o aborto assim como o abandono de um recém-nascido que o meu amor sustinha nos braços e o emergia numa água tépida com pétalas de rosas vermelhas que perfumavam a brisa quente e cantava uma ladainha para o adormecer num berço com estampados de coelhos azuis e amarelos que cheiravam a urina de lobos que em alcateia se deslocavam por uma floresta negra onde apenas brilhavam os seus olhos numa sobreposição de caracteres que anunciavam que a presa estava próxima e poderia ser qualquer um de nós e tento retirar a máscara da minha esfinge mas sou vencido por uma força oculta que me impede de aceder à luz do dia e conjugo os diferentes tempos verbais e sou o passado e tacteio o vazio para me assegurar que as paredes ainda são de papel com borboletas a esvoaçar e a pousar em papoilas e que os móveis são de fancaria carcomidos pelo caruncho e os quadros têm X num horizonte onde vagueiam espíritos consignados à marginalidade e os corredores alongam-se e o chão é um declive que me empurra para o fundo de um esquife e sobre a sua pedra tumular brincará à macaca a nossa filha e a minha mãe levará a tristeza para me recordar que estou à espera que alguém me liberte desta máscara púbere e possa dar-lhe novamente a mão e dizer-lhe que serei eternamente o seu menino e não acrescento dois passos à minha descida e tento vivenciar episódios em que triunfei na vida mas eram tão escassos que se diluíram na minha memória e se escondiam atrás de biombos chineses a arar a terra e a transportar o arroz xau xau sobre as cabeças para o celeiro de bambu e lamento que a minha frustração me tolde sobre um estrume de vacas leiteiras e tento chorar mas estou tão seco quanto uma múmia egípcia e sou proibido de parar por Deus e gradualmente a escuridão é cada vez mais densa e penso no meu amor a rezar por mim num sopro de ave Maria que oiço distantemente e que me alegra e ao recuar há uma chama que me absorve para um espaço onde reina um ditador que com um martelo de orelhas bate numa porta de vidro que estala e aponta na minha direcção e no imperativo obriga-me a avançar e do outro lado sou um ponto de luz no universo.
Aveiroshima2027, Halloween Special, 31 de Outubro, GrETUA, Aveiro
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