segunda-feira, 27 de novembro de 2017

La chambre claire (Note sur la photographie)

Tarde de Sábado no Salão Brazil em Coimbra onde irá decorrer a terceira edição do mono/stereo— o maior pequeno festival do mundo que tem em cartaz durante a tarde o Carlos Subway, GAQ, Ruze e à noite o primeiro a subir ao palco será o Drunk Dancer seguido pelos Titanic e por último os Wipeout Beat; Carlos Subway apresenta duas canções no sintetizador a primeira é um sinal indie pop sonoro a seguinte para animar plateias em paquetes com decoração kitsch; GAQ são um duo de poetas que lêem os seus versos sobre uma palete com fundos que por vezes desequilibram os poemas e em outros quando as cores são menos carregadas os sobressaem e finalizam com um poema do William S. Burroughs “Electonic Revolution”; Ruze é um MC que vem acompanhado por um dj e por um outro raper e a movimentação do Ruze é constante mesmo que a sala esteja vazia e as suas canções têm beats predominantemente up-tempo e as suas rimas versam sobre a vida mas numa perspectiva em que impera a felicidade e a moralidade; Drunk Dancer corresponde a um one man band que usa a guitarra/baixo/voz e os insere numa mesa em loop e subsequente vai construindo as canções em tempo real e o resultado são estruturas antagónicas e por isso maioritariamente dissonantes mas há uma pureza infantil que as poderia denominar de free jazz caso tivesse passado pelo Hot Club ou Art Brut se tivesse estudado nas Belas Artes; Titanic correspondem a dois músicos um no teclado e o Marquis Cha Cha na bateria/voz e as forças entre ambos nem sempre estão equilibradas para além do resultado serem esquiços synth pop que mereceriam mais trabalho; Wipeout Beat debitam uma massa synth que canção após canção ganha um poder sónico dramático por vezes exacerbado com a guitarra eléctrica do Pedro Antunes e que é uma textura hipnotizante que liberta a imaginação e a transcreve para outros contextos onde o delírio é o futuro; à direita da direita reside a vantagem de ser vizinho de uma palmeira que parece um moinho e diariamente sento-me junto ao seu tronco e cruzo as pernas para meditar e ausentar-me da realidade mas por vezes sou interrompido pelas gaivotas a planarem sobre um céu cor-de-rosa choque e pela passagem de alguns cães com pedigree galardoados num concurso para misses de fancaria e há uma voz que dita um texto codificado que sigo como se fosse uma luz no universo que me guia por entre a floresta de figuras petrificadas que se despertam para a vida tal como o dia que está a decorrer e num canto iço o grasnar distante de alguém com fome e que ecoa ecoa ecoa e é substituída pela de um familiar ausente que se dissipa num esgar e mantém-lho a respiração num ritmo lento e sucessivamente sinto as ondas tão próximas que parece que estão a emitir de um búzio com uma mensagem enigmática e o vento sopra num ritmo onde balanço como uma anémona nas profundezas de um mar agitado que gradualmente se pacifica e leve levemente presente e distante num reflexo em que me encontro em contacto com a minha alma e nessa luz confesso os meus pecados que humildemente prometo não repetir e por segundos revejo os diferentes pontos que marcaram a minha vida como se estivesse a vê-los pela última vez para me libertar do mal com que me mancharam em palavras escritas e respiro num alivio e há uma felicidade que me preenche o coração que bomba lentamente e aumenta a temperatura do meu sangue que me irriga de satisfação e deixo-me pairar para além de uma linha imaginária onde me imiscuo num universo distante num tempo aparentemente infinito e comunico com forças tão bondosas quanto puras às quais dou as mãos e formamos uma cadeia que luta para emancipar o bem nos seres humanos e ao convoca-lhos promovemos uma mudança em que domine a paz e o amor e uma outra voz repete uma frase hipnótica que me transforma numa espiral na qual rodopiam as coisas supérfluas que se intrometem entre mim e a felicidade e que desaparecem e encontro-me num espaço com paredes transparentes e no centro sento-me a meditar sobre meditar e o cubo movimenta-se sobre si lentamente como se fosse o espelho do meu pensamento e forma-se um prisma na minha testa em que se consubstancia a minha alma que reside num corpo que se ergue e exagera-se numa equação abstracta que me transforma numa energia única que se insere na minha corrente evasiva em que subsequentemente incorporo e há algo que se intromete entre o meu ser e o meu corpo e funde-se num espírito tão esotérico quanto o amor.

mono/stereo— o maior pequeno festival do mundo, 25 de Novembro, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória do Pedro Rolo Duarte.