segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Le Petit Prince

No Massas Club na Pedrulha vizinho de Coimbra está a decorrer o Mosher Fest—Chapter VI que contratou cinco bandas para esta noite e são as seguintes: Okkutist, Analepsy, Switchtense, The Parkinsons, Gwydion; os Okkutist estão a tocar o seu cardápio de distorção mas fazem-no de forma simplória acrescida de solos da guitarra imberbes mas quem atrai a atenção é um ser com um cabelo louro comprido metade pintado de verde e canta através de um som carregado de terror e no fim da música retira o cabelo do rosto pálido com os olhos contornados por lagoas escuras e do tronco surpreendentemente sobressaem uns seios cobertos de cabedal preto e na seguinte a sua teatralidade é tão hipnótica com a mão esquerda a tocar algo invisível no ar e a sua cara encoberta pelos cabelos dão-lhe uma perspectiva de criatura que nasceu das trevas e na qual quer eliminar a sua beleza e no fim da última canção de joelhos diz terrificamente: “Hail fucking Satan” quando passar a amar Deus poderá telefonar-me; Analepsy são um quarteto de cabeleiras metaleiras mas as suas canções são um continuo em que não é perceptível se há diferenças a assinalar para além de ser impossível perceber em que língua o vocalista/guitarrista canta já os meus apontamentos apontam para uma comunicação digna de um peru: “Glugluglu” se o matarem no dia do Natal e alterarem tudo que está de errado nas canções poderão crescer e tornarem-se em algo de facto apetecível para já são tão tóxicos quanto monótonos; as luzes do hotel estão apagadas apesar da porta se encontrar aberta e entro e na recepção entrego a uma mulher fardada de vermelho os meus documentos e que me entrega um cartão e no elevador e a sorrir tiro uma selfie sobre o espelho que descarrego no quarto para o Instagram e olho para a cama sem que encontre o apelo do sono e há algures folhetos turísticos sobre a beleza dos monumentos que Lisboa oferece ou as exposições do Museu Nacional de Arte Antiga e o silêncio é vilipendiado pelo eco dos ébrios que passam na rua e abro a janela para os ver a cambalear como se a calçada portuguesa fossem ondas de um mar flat adoraria dar-lhe swell mas felizmente não tenho esse poder e as conversas redundam num vazio sem sentido aparente que me fazem rir e quanto tempo estarão felizes talvez até que a ressaca os faça ver a vida com desespero e amargura ou se calhar estou enganado e a encarem sem amargura ou desespero e voltem a beber para se lembrarem de que somente assim se sentiam felizes e da mala de viagem retiro as camisas brancas com riscas azuis e as calças pretas e vermelhas e o estojo com os utensílios para a higiene diária e descubro o meu diário de viagem com os apontamentos sobre cidades europeias e leio-o como se não fosse o autor para obter distanciamento sobre o que senti ao ser discriminado em Heidelberg e ter sido amado fraternalmente em Bruxelas e ausente infelizmente ausente em Atenas e em Madrid senti-me em casa e poderia continuar a enumerar aleatoriamente outras cidades mas tal seria penoso para o leitor e como foi em Paris é uma pergunta à qual tenho resposta mas prefiro relega-lha para o passado e algures há alguns desenhos realizados pelo meu filho de seis anos e que tento descobrir o que cada um representa e orgulhosamente não consigo associa-lhos a qualquer animal criado por Deus mas parecem-me fruto de uma consciência em que somente existe o bem e o mal e como tal tudo lhe é limitado a um tempo aparentemente finito mas que se alarga dia após dia para compreender que as pessoas podem ser boas e más conforme o contexto em que estejam inseridas e para que descubra isto em si lia-lhe ao deitar alguns contos de fadas que lhe instigariam a imaginação e abrir-lhe-iam as portas de percepção a um universo paralelo onde poderia construir a sua própria narrativa há um desenho com fundo roxo de onde sobressai um rosto que me é familiar mas é tão redutor porque é-me impossível identifica-lha ou identifica-lho a minha mulher escreveu “o pai” mas não tem qualquer parecença com o meu rosto de trinta anos aliás nem daqui a cem anos serei assim e não percebo se sou bom ou mau mas somente acredito no bem como ponto de partida para acrescentar-me felicidade e é esta que quero que ele sinta sob o meu olhar para que o choro seja somente reflexo de uma capricho momentâneo e que o escuro seja seu amigo durante o sonho e que no banho brinque com submarinos amarelos e que o seu crescimento implique que nos amamos; Switchtense são uma máquina de punk/hardcore ao qual sabiamente conseguem alargar as suas fronteiras principalmente através da secção rítmica mas o foco deve recair no vocalista que é um cantor irrequieto e instiga a multidão de metaleiros a instituir a moshe como se fosse o líder de um batalhão de homens que somente se querem divertir absurdamente e exorcizar o stress dos dias carregados de rotinas e ainda é um relações públicas perspicaz: “Isto é o underground viver a música pela música”; The Parkinsons entram com ganas de conquistar a plateia vestida de negro e destilam o seu cardápio punk com origem em Londres através de “Primitive”, “Angel In The Dark”, “Body and Soul”, “Nothing To Lose” mas exceptuando os que se encontram próximos do palco e que cantam juntamente com o Alzheimer os restantes mantêm-se alienados como se a música dos Parkinsons tivesse uma peste que não lhes agradam porque lhes parecem que é carente de veneno e nem as investidas do Alzheimer e do Victor Torpedo sobre eles os fazem desistir do seu reduto constituído pelo metal e o guitarrista dedica a actuação ao “Malcolm Young” dos AC/DC que havia falecido hoje e se o público não adere os Parkinsons não se amedrontam e continuam a destilar as suas canções tão agressivas quanto marginalmente cosmopolitas e na “Bad Girl” Victor Torpedo convida um adolescente a subir ao palco e enverga-lhe a sua guitarra e fica atrás deste e ambos dedilham os rifs da canção e haverá coração maior do que um dos grandes senão o maior guitarrista da capital do rock?; Gwydion correspondem a rapazes alguns barbudos outros nem por isso vestidos com kilts e com pinturas de guerra nos rostos e as suas canções são uma mistura improvável de death metal + rock sinfónico + ritmos/melodias celtas que resultam em algo contraproducente mas a comunidade metaleira adora ao ponto da mosh estar largamente instalada assim como a dança aparentemente medieval algo que estranho porque este composto vai contra o fundamentalismo metaleiro e por outro lado entra em paradoxo com o desprezo ao excelente concerto dos The Parkinsons mas é verdade que estão muito bem ensaiados e que através dos figurinos implementam alguma teatralidade mas tudo o resto é arrepiantemente popularucho como exemplo dou a penúltima canção “Zumba” que se um dia estiver no Youtube ultrapassara “Despacito”.

Mosher Fest Coimbra—Chapter VI, 18 de Novembro, Massas Club, Pedrulha.

Em memória do Malcolm Young.

The Comedians

  Wipeout Beat celebram a edição de “It happens because we are, not because we exist” no Salão Brazil, mas a primeira parte coube aos Causti...