No Centro Cultural e Recreativo Valonguense em Antanhol irá decorrer o I Concurso de Bandas de Garagem – Asmusitec onde tocarão oito agrupamentos e o primeiro a concurso são os Floating Conformists que apresentam um conjunto de canções pop que tendem para um esoterismo que não se consubstancia dada a fraca execução salva-se a voz da cantora-adolescente que se inspira no canto das sopranos; The White Rino jogam com as guitarras eléctricas de forma substancialmente assertiva mas a estrutura das canções rock pecam por serem excessivamente repetitivas e extensas para além de estarem feridas de originalidade; Subconcious Terror (quarto lugar) vestem de negro e têm uma postura agressiva em palco e as guitarras distorcidas são um epicentro de raiva e de dor mas pouco ou nada acrescentam ao black metal; Dang (terceiro lugar) divagam pelo grunge e hard rock como se fossem clones de cada um destes géneros musicais; Bitoque apresentam um conjunto de canções que não se encontram devidamente estruturadas mas há uma que é iniciada com o teclado e que durante esse instante erguem algo substancialmente perturbante de tão esquizofrénico mas quando o baterista começa a cantar a letra é tão boçal quanto as dos Irmãos Catita ou dos Enapá 2000 e a magia esfuma-se e se a alterarem assim como o nome (que aliena a comunidade vegan e a vegetariana) e se concentrarem somente a compor canções rock psicadélicas poderão um dia almejar abandonar a garagem; Secret Chord (os vencedores do concurso) têm uma confiança desmedida e que é liderada por uma mulher com uma voz de cantora lírica das trevas elevando canções de rock gótico e que são apresentadas segundo um domínio sónico acima da média e ainda dedicam a sua actuação: “A todas as vítimas dos incêndios deste ano”; Red Candy começam a sua narrativa musical em L.A e de seguida passam para Cardiff e finalizam-na em Manchester e em cada uma destas cidades imitam uma das suas bandas emblemáticas; Harpia (segundo lugar) começam pela new wave que granjeou sucesso nos Police mas as seguintes são de um rock visceral digno dos power trios da década de setenta como os Cream e que são de facto de tirar a respiração a quem não esteja prevenido com tampões nos ouvidos e que são tão equilibradas quanto épicas cantadas em português e deixo como exemplo um verso tocante: “Para sempre vou amar-te/ Até a morte traga o fim” e como tal posso afirmar que vi o futuro do pop-rock conimbricense (mereciam ter ganho!); as figuras sentadas à minha frente numa esplanada parecem estátuas em bronze do Juan Muñoz que fumam compassadamente e cruzam as pernas e o sol ilumina os seus sapatos de brilhantina que reluzem e numa outra mesa há duas silhuetas que bebericam Coca-Cola com rodelas de limão e pedras de gelo e uma fala como se estivesse acompanhada pelo seu reflexo que a ouvia atentamente sobre o seu futuro no qual esperava estar realizada e os pombos passeiam-se num movimento de padres à cata de hóstias por entre a mesa de uma figura que desenha num caderno o seu copo e não observa as pessoas que passam lentamente sobre a calçada portuguesa e contornam a estátua do Luís de Camões e uma mesa é ocupada por um fato de domingo que tresanda a absinto que parece ausente e demanda um copo de vinho da casa para se sentir integrado na sociedade portuguesa e aparentemente terá adormecido com o chapéu de aba preto a divagar de heterónimo em heterónimo numa sucessão de personas que o multiplicavam sem que verdadeiramente tenha procriado e há uma brisa fria que advém do Tejo que me circunda numa divagação de tágide enamorada que embala o meu coração em lampejos de amor e que gradualmente me possui e sorrio sem que tenha a noção de que tal de facto tenha sucedido e volto a sorrir para ter a certeza de que estou feliz e tento concentrar-me nos passeantes que caminham lentamente em direcção ao Elevador da Glória ou entram para um eléctrico amarelo de onde ecoa o fado de um fidalgo campino e numa porta há um desperdício que estende a palma suja do lixo para uma turista que ostensivamente o ignora e sobe a rua uma figura com um penteado dos novos românticos e que gradualmente desaparece pelas ruas do Bairro Alto e reparo que as mesas ao meu redor são ocupadas por dois casais que falam em frequências desencontradas numa alternância que não revela se estão verdadeiramente a comunicar e tento isolar-me desta energia negativa que atentava contra a luz pérola de Lisboa que iluminava as sete colinas que representavam a espiritualidade que as tolhiam de uma beleza infinitamente invisível e parece que desapareceram de mãos dadas em direcção ao Chiado onde irão olhar para as montras com a moda da época e aproxima-se uma corcunda que me pergunta se estou disponível para lhe pagar uma imperial que simpaticamente peço ao rapaz que num ápice lha entrega e após bebe-lho num silêncio agradece-me e continua o seu percurso como se fosse uma montanha anã em movimento e oiço o relato de um jogo de futebol que grita golo das colunas de um táxi preto e verde com uma cruz de Cristo no retrovisor que se bamboleia ao ritmo do chão empedrado e pára e sai uma silhueta que veste os contornos perversos da noite perfumada de Cais de Sodré e os seus saltos altos esmagam as pedras da calçada como se estivesse ansiosa por despir a roupa do trabalho e passa por mim como se fosse transparente e acendo um cigarro e peço um cinzeiro que é depositado na mesa assim que o apago e o Ricardo Reis está a engraxar os sapatos e a olha para mim como se me conhecesse de um sonho de infância e que instintivamente retribuo e depois de pagar sobe a rua em direcção da Amélia que subjugava à marginalidade porque jamais lhe daria o seu coração pois pertencia ao Fernando Pessoa.
I Concurso de Bandas de Garagem – Asmusitec, 5 de Novembro, CCRV - Centro Cultural e Recreativo Valonguense, Antanhol.
P.S- Devo informar que fiz parte do júri.
Dedicado ao Juan Muñoz.
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
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