sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Der Kitsch. Eine Studie über die Entartung der Kunst

Estou na sede da DRAC- direito de resposta associação cultural na Gala situada na margem sul da Figueira da Foz e que tem em cartaz duas bandas: Twin Transistors e os The Last Internationale; os primeiros apresentam um conjunto de canções que se inserem no desert rock mas não conseguem acrescentar algo que lhes consigne originalidade porque alicerçam-nas em redor dos seus clichés o que é deveras entediante e a única que vale a pena ser discriminada é a versão de uma canção dos Velvet Underground; a música que assinala a entrada em palco dos The Last Internationale é “The Revolution Will Not Be Televised” do Gil Scott-Heron e o seu ritmo é mimetizada pela bateria mas o baixo e a guitarra revertem-na para o rock e a partir deste ponto surgem outros em outras canções que reverberam um rock por vezes mestizado com o funk e o punk que tem origem especialmente na guitarra eléctrica de Edgey Pires que a seu lado tem uma cantora que versa a soul e que confere às canções uma personalidade estranha por ser um foco de luz que emana do jogo agressivo dos instrumentos musicais e ela apenas despe o casaco e encontra-se vestida de preto com um chapéu de abas e para além de assegurar a voz ainda toca baixo e quando é necessário a harmónica e a performance da dupla é suficiente para incendiar o público que se ajoelha perante a profusão de solos épicos por parte Edgy Pires e se deixa penetrar pela Delila Paz que canta por entre a multidão como se estivesse no palco e há uma versão do John Lennon “Working Class Hero” e uma outra do Neil Young “Hey Hey, My My (Into the Black)” a primeira é à guitarra eléctrica e com a voz soberba da Delila Paz a recuscitar o Beatle e a segunda é apresentada com um dramatismo rock que a engrandece e se poderia haver uma surpresa é a de a cantora convidar um membro do público para cantar “A Grândola Vila Morena” do Zeca Afonso mas que se esquece de um dos versos e a multidão aplaude o incidente e a banda prossegue o delírio de rock na roll como se o dia fosse supérfluo e o a noite eterna; sento-me na esplanada do Bar do Bruno situado sobre a praia do Baleal em Peniche e peço um chá que tem um odor suave e delicodoce e observo o mar pejado de surfistas à espera da onda perfeita enquanto o sol de Dezembro os ilumina tornando-os em diamantes negros que deslizam em ondas anãs e tento ausentar-me das conversas banais à minha volta assim como da de um casal que aparentemente estão presentes que bebem cafés como se a cafeína fosse ouro e leio “Der Kitsch. Eine Studie über die Entartung der Kunst” do Fritz Karpfen traduzido para português mas é mais chique usar o título em alemão não vos parece ou não vos quer parecer e não coloco o respectivo ponto de interrogação para me libertar das fronteiras que a pontuação institui e assim cabe ao leitor escrever a sua história e sou interrompido por uns americanos de fato de borracha que discorrem pomposamente sobre a sua surfada durante a qual dominaram a maré mas não consigo identificar de que estado americano são provenientes nem se são orgulhosamente apoiantes do boçal Donald Trump que é um terrorista de fato e gravata e com uma poupa que poderia ser surfada por qualquer aprendiz como os que tentam equilibrar-se em pranchas hand made que lhes oferecem uma aura de surfistas profissionais em circuitos internacionais e se tivesse uma longboard estaria neste momento a produzir a espuma das ondas que são como coroas efémeras com origem no poder do Posídon que mereceria uma estátua em bronze numa das rotundas do Baleal e releio a página em que o autor revela as diferentes facetas do kitsch e a sua premissa é a do pastiche que agradava aos pequenos burgueses que decoravam as suas vivendas com obras vazias de conteúdo somente porque ficavam bem com as cortinas amarelas e este ensaio datado do início do século XX é de uma actualidade atroz porque ainda domina em Portugal a ignorância nas elites que financiam artistas plásticos carentes de autenticidade e de originalidade somente porque ficam bem numa casa de bem onde se tratam por você como se tal os coloca-se numa redoma de vidro que os impedisse de serem vítimas da vulgaridade à qual a pobreza está associada e uma mulher pede para se sentar na minha mesa de madeira branca algo que cordialmente permito e lê um livro com mais de quinhentas páginas com o título “O Pavilhão Púrpura” do José Rodrigues dos Santos e levanta-se deixando-o como se fosse uma prenda envenenada em que cada palavra fosse uma gota de cicuta e reaparece e pega no calhamaço para adultos infantilizados e dirige-se para uma outra mesa sem agradecer o tempo em que o seu livro manchou a minha reflexão e peço mais um chá de tónico espiritual e substitui-o o livro do Fritz Karpfen pelo “A Câmara Clara (ensaio sobre fotografia)” com título em português para vos surpreender não vos parece ou não querem perceber e sentam-se umas adolescentes que conversam ruidosamente sobre a noitada que vivenciaram com capítulos memoráveis mas que infelizmente se dissipam da minha memória e há uma que recebe uma chamada telefónica do namorado que a entendia porque sente que ele lhe está a cercear a sua liberdade e por isso desdenha o seu amor e sinto o odor a cannabis e uma delas levanta-se rapidamente como se tivesse a decorrer um afogamento de um seu familiar e após minutos regressa com uma amiga que está de tal forma mocada que estira os braços para o ar enquanto se senta e pede uma cerveja “Bar do Bruno Craft Beer” e depois de beber pelo gargalo assobia o “Não sou o Único” dos Xutos & Pontapés composição do malogrado Zé Pedro e as amigas riem e o ensaio do Roland Barthes questiona a fotografia através de um discurso que parece uma confissão sobre a mortalidade e refere que a sua origem é o teatro no qual se encontram fundeados os princípios nucleares que transformam uma fotografia numa obra de arte e o pôr-do-sol atrai os olhares dos clientes que aproveitam para o fotografar porque assim se apropriam de um instante que lentamente se eclipsa e no Instagram procuro a imagem de uma mulher que não olha para a objectiva e sustém a mão esquerda sobre o seu queixo e a sua pele pálida contrasta com o seu cabelo negro comprido que enquadra o seu rosto eternamente belo numa melancolia que espelha a sua alma e que conquistou o meu coração.

The Last Internationale + Twin Transistors, 7 de Dezembro, DRAC, Gala.

Em memória do fundador dos Xutos & Pontapés o Zé Pedro e do “french Elvis” Johnny Hallyday.