sábado, 16 de dezembro de 2017

El Coronel No Tiene Quien Le Escriba

O caos é uma tempestade a que baptizaram de Maria que tem um rosto pálido como a face visível da lua que em tempos foi pisada pela primeira vez por um americano com um fato de astronauta e que exerce desde a criação do universo um poder estranho sobre a terra e que fez parte de imaginários tão diversos quanto os filmes de vampiros e as cantigas de amigo e os romances cor-de-rosa e a ilustrar livros sobre lobos famintos que uivam que uivavam que uivam e a madrugada lentamente desperta e conduzo um comercial que sobe uma montanha salpicada por tufos de neve que quando embatem no vidro suavemente são limpos pelo limpa vidros e sigo o trilho do alcatrão e os holofotes incidem num coelho imóvel cinzento que levanta a cabeça e paro e o animal mantém as orelhas levantadas e o seu olhar negro está cego com as luzes e movimenta lentamente a cabeça como se estivesse a medir o espaço à sua frente e saltita para fora da estrada misturando-se com a neve que o encobre e ligo o rádio e surge uma canção que me é familiar que tem um andamento lento e progressivo que se transforma em rock “... e chega a polícia bacteriológica com um toque de classe impõe a sua lógica e parte-se ao meio a cidade metade será caos a outra eternidade tem-se a vertigem a cor do vácuo comunicar sem som sentir ruído branco” (1); o Salão Brazil festeja a maioridade dos conimbricenses a jigsaw e a noite de hoje será diferente da de amanhã onde estarão outros convidados como o Pedro Renato e o Sérgio Costa no palco encontra-se João Rui (voz/guitarra acústica/banjo) João “Jorri” Silva (teclados/harmónio) com a Maria Côrte (violino) e o Guilherme Pimenta (bateria) e as três primeiras canções “To Whom I Shall Give My Blood”, “I`ve Been Away For So Long”, “Postcards From Hell”, versam uma folk pejada de cores fúnebres e se há alguns lampejos de luz são provenientes do violino da Maria Côrte e este negrume é aparentemente eliminado com a entrada em cena da Tracy Vandal para interpretar “Of Those Who Know You`re Right” com o João Rui e estabelecem um jogo de vozes antagónicos a escocesa exuberante o português profundo e as canções subsequentes “Letters From The Boatman”, “Life`s Like a Riverboat”, são acrescidas de uma outra voz a da Raquel Ralha e da guitarra eléctrica do génio Victor Torpedo e o baixo eléctrico do irrequieto Pedro Antunes e versam o americana inclinado para o rock (como centro inexistente) e as vozes complementam-se num jogo que parece estar a ser jogado do lado do risco e somente por isto são inexcedíveis na eloquência do timbre de tão dramática e destaco “Lost Words” original dos fantásticos Tiguana Bibles que é transporta para um universo predominantemente pop sendo esta a única do concerto com tal estilo e “New Man” é destinada à voz da Raquel Ralha que canta com uma voz grave quase scat a contrabalançar com a segura do João Rui e antes da seguinte canção a cantora observa “não é bom que as bandas de Coimbra se juntem e façam coisas em conjunto?” e “You`re The One I Want The Most” é somente desenhada e após a qual Raquel Ralha abandona o palco e a complexidade é representada pelos a jigsaw em “Make Straight The Way” que estabelece como ponto de partida o rock que tem na base o americana e que é por essa medida psicadélica e a folk é de novo delineada em “Dreams & Feathers” e “Crashing Into The Harbour” é de um dramatismo americana garrido com o violino de Maria Côrte fundo a obter a resposta da guitarra eléctrica do Victor Torpedo sobre um ritmo acelerado e “Whithout the Prize” consegue inexplicavelmente ir mais além do que a anterior mas com duas vertentes em simultâneo a fúnebre e a do nascimento de um ser vivo e “No More” é prenúncio de morte com o bombo a marcar o ritmo de um coração que não se quer dissipar no silêncio e o harmónio do João “Jorri” Silva é um ferro que queima dada a sua leveza espiritual e a voz é um ressoar de um homem que julga que está vivo com o violino da Maria Côrte e a guitarra eléctrica Victor Torpedo a enunciarem o espectro que se liberta do defunto e “God Was Sleeping” (com a Tracy Vandal a secundar o João Rui) parece um barco de papel que se entretém a navegar no mar morto e “One Right Lie” reaviva a americana atolada no rock e depois do João Rui ter apresentado o excelente elenco de músicos que acompanham a jigsaw e que dão pelo nome The Great Moonshiners Band tocam “Blame Me” com a Raquel Ralha e a Tracy Vandal e o João Rui a confessarem sobre o blues uma alma que divaga e se intrometem num imaginário distante de tão eloquente; e meto a primeira e de seguida a segunda mudança e ganho velocidade e acrescento a seguinte e tento descodificar os restantes versos de “Toxicidade” dos GNR e transponho-me para esse universo em que há um dramatismo que retrata um não-espaço que somente pode ser vivenciado através da imaginação “toxicidade num céu incerto vento morto a enterrar” e as curvas fechadas obrigam-me a desacelerar e persigo um nevoeiro que é como uma parede branca que transponho subsequentemente e a canção é finalizada e desligo-o e sinto o toque de uma mão na minha perna e ao olhar na sua direcção desaparece e perturbado tiro o pé do acelerador e procuro concentrar-me no percurso continuamente sinuoso que me encaminha para o cimo e do nevoeiro surge uma figura antropomórfica que sustenta numa das mãos um livro de folhas amarelecidas que quando me aproximo esfuma-se e tento lembrar-me o que me fez tomar a decisão desta viagem e não encontro uma justificação que satisfaça a minha memória é e era uma turbina e volto a mim e a estrada segue num túnel branco que se parece a um manto de pureza que apaga a visão do tal ser que não sei o que representa ou representava parece-me que esta conjugação verbal é que é a acertada e desacelero e curva após curva parece que estou a subir para um futuro que desaparece quilómetro após quilómetro num carrossel sem luzes a piscarem e nem os das sirenes das outras diversões consigo ouvir e persigo os pontos de luz à minha frente como se fossem estrelas que me orientam para o meu interior onde me diluo numa felicidade eterna.

Décimo oitavo aniversário a jigsaw and The Great Moonshiners Band, 15 de Dezembro, Salão Brazil, Coimbra.

(1)- Tema incluído no LP dos GNR “Rock in Rio Douro” (1992) com poema de Rui Reininho e composição de Zezé Garcia.