Só um solitário ostenta uma rosa cor-de-rosa que perdeu alguma das suas pétalas ela representa-te no meu coração que bate mal de manhã à noite e mesmo que eu queira equilibrar-me sobre uma corda que bamboleia ao vento caio sobre um banco de areia e espero que a maré suba e me cubra com um manto azul que satisfaz a minha alma que se liberta com a maré e se sou mar sou escravo dos caprichos da lua mas se sou homem sou fonte de felicidade que irradio em cada palavra que partilho com uma figura ondulante e ao tentar alcança-la distancia-se cada vez mais como sucede quando me tento aproximar do pôr-do-sol e a noite cobre a minha casa em ruínas e oiço as portas a baterem à força do vento frio e sinto-me um sem abrigo na Avenida da Liberdade ergo um braço para ter a certeza se ainda existo ou se sou somente uma ideia brilhante na tua memória ou será na vossa imaginação que é um labirinto onde se encontra misturado o presente e o passado como uma fotografia de alguém que já morreu e não há uma montanha onde se possa fazer uma fogueira que arda até ao dia nascer como uma tocha ou farol que comunica com as almas errantes e acrescento uma jogada no tabuleiro xadrez as brancas são a vida as pretas portas com destinos incertos e dispo a camisa à procura de um cabide onde me possa pendurar e lamento que o armário esteja carcomido por bichos que se intrometem nos meus sonhos impedindo-me de sonhar consigo contigo com alguém que desconheço o paradeiro e valorizo uma paisagem onde há uns sobreiros iluminados por um Verão intenso que exala um odor a terra seca; o backstage do Teatrão tem sofás floridos e máscaras a pontuar uma parede e um piano vertical que é tocado pelo Nicotine a passear por canções pop da década de setenta/oitenta do século XX que nos faz rir e o Victor Torpedo discorre sobre o baixista dos Cavemen “esse cabrão toca tudo” e que “até participou num reality show e ele era uma das figuras mais populares, e quando ele saiu com uma gaja para jantar?” ri e rimos e lembra-se do Zé Pedro dos Xutos & Pontapés “essa morte tocou-me” e ficamos suspensos num silêncio consternado “era um porreiraço (dixit)!” e “cheguei a tocar com ele” e di-lo com uma humildade desarmante e somos informados que estarão à espera dos Jack Shits vinte pessoas algo manifestamente pouco para Coimbra não vos parece? Os Jack Shits correspondem a Nicotine (bateria) o Samuel Silva (guitarra eléctrica) e o Diogo Augusto (guitarra eléctrica/Harmónica/Voz) e a primeira canção "I Don´t Wanna Be Real" é predominantemente garage com laivos de um rock visceral que contamina “Lucy Pussy” com um acréscimo trash já “Sweet Billy Blues” destaca-se pela sua estrutura que inicialmente é rock de seguida garage e ainda blues com a harmónica do Diogo Augusto a planar sobre a massa semi-distorcida e a sua voz é de um Amish que se rebela contra a sua comunidade e “Strong” é um estilhaço garage com solos épicos do Samuel Silva e “I `m Just a Fool” é um capítulo acelerado e que se esvai através de uma agressividade incontida e o cantor apresenta-se “eu sou o Jack” e “ele é o Jack” e ele “é o Jack” e “nós somos os Jack Shits” e “Sex Beat” dos Gun Club é revista numa perspectiva trash e “Gloria” do Van Morrison é transformada numa trip catártica; e escaldam-me os pés e corro para a praia e a areia também arde e saltito desesperadamente sem encontrar a margem e o amanhã é para ti história e para mim é um sentimento que alimento e que me alimenta e me liberta e aprisiona e posso esperar pela manhã e pelo amanhã porque conheço um corpo que está desesperado por um raio de um radar que arrebate o meu coração que agora bate assim como assim ou talvez assim ou pouco importa ou mais ou menos assim e lentamente as pessoas passam à minha frente como se fossem figuras urbanas onde consomem os manequins e paralisam carros blindados em túneis de néon com louras de cabelos eléctricos penduradas em gruas vizinhas de arranha-céus e querias dançar e eu pedi-te para dançar e o paraíso é um passo doble ou uma poça de óleo e como te sentes quando te rodeiam as lagartas falantes e te sentes sozinha e se subirmos esta planície será Domingo e depois talvez um dia qualquer em que as amoreiras estejam em flor como o meu solitário e oiço dois homens a rirem-se de mim e apontam as suas armas contra a minha cabeça e são tolhidos por uma vertigem que os condensa em pedras de fancaria e colo mais uma fotografia tua na parede do meu quarto escuro para que um arqueólogo te procure para te informar que vivi para ti.
The Jack Shits, 20 de Dezembro, Teatrão, Coimbra.
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