Depois quem sabe “dito num aparte uso-te à la carte até que me farte atiro-te uma tarte depois ponho-te de parte ”(1) hey “vê a minha sorte” és “(um autêntico corte)” hey “agora odeio-te de morte” hey “agora odeio-te de morte” hey baby suicida “hey! Não quero ir pró céu só quero twistar-te” hey baby excêntrica “hey! Não quero ir pró céu só quero twistar-te” e revelar-te numa fotografia a preto e branco para jamais te esquecer nem que fosses sulfato de sódio a explodir em água benta e à noite fecho a porta para que ninguém me veja a espreitar essa menina que não conheço de vista e ela dança “hey! Não quero ir pró céu só quero twistar-te” num cenário com paredes pardacentas “hey” somos “uma relação tão forte logo que aborte é bússola sem norte.... uma relação tão forte”; estou num restaurante que serve peru e vaca com batatas fritas sentado ao lado do Victor Torpedo que recebe uma chamada telefónica e passa-me o telemóvel e oiço ameaçadoramente “ouve lá meu, estás a ouvir?” e reconheço a sua voz que parece que me quer estrangular e respondo timidamente “sim” e do outro lado da cidade de Coimbra o emissor suspeita “és o Victor Torpedo?” e o “sim” é dito sem que consiga imitar a voz do suspeito e entrego o telemóvel ao proprietário que lhe responde “é um amigo da Figueira” e desliga-o e os nossos companheiros de mesa bebem vinho tinto traçado com Snapy e Frize que dão pelo nome de Drunks on the Moon e Bone Zeno e o Victor Torpedo disserta “os Telectu tocaram em todo o lado e vê-la se aqui alguém deu conta disso? É pá o Jorge Lima Barreto… tinha uma cabeça aquilo era um alien e ninguém entrava no círculo deles alguns músicos é certo mas muitos artistas plásticos” e pergunto-lhe se havia lido o “Rock & Droga” que tem prefácio do Max Romeo e responde penosamente “claro Jimmy” e as sobremesas são gelados congelados da Olá; hey hey e tão singela quanto introspectiva como se estivesses a pousar para o Balthus de saia curta sentada num maiple a acariciar um gato negro e na minha memória resides nesse quarto com esse sorriso tristonho de quem não gosta do Mundo nem que este esteja na tua mão nem que seja uma borboleta ou uma centopeia e a chuva está condensada em nuvens de ouro branco como a sua pele e as sombras que te rodeiam são oriundas de um arquipélago onde nadam golfinhos a cortar a corrente que me aprisiona à felicidade de a ter conhecido num museu de estátuas esculpidas numa matéria perecível e se fosses tágide do Douro serias musa do Rui Reininho e se fosses ninfa do Mondego serias musa do James Dunn e eu e ele cantamos “hey! Não quero ir pró céu só quero twistar-te”; o público no Teatrão aglomera-se à frente do palco para receber os Drunks on the Moon que se resumem a Manon Cap (voz, teclado, acordeão) e ao Bruno Lucas (guitarra eléctrica, bombo) e confiscam a atenção dos presentes com canções que percorrem diferentes estéticas como a americana ou o blues e arriscam a chanson francaise e continuamente diluídas numa elegância que ganha o seu pináculo na voz da Manon Cap; e um guia dá-me a mão como se fosse Ícaro e transmite a tua energia que me percorre num ápice de raio de vida que se esvai para o interior de uma caixa aberta onde dormem as tuas bonecas de palha que desejam o teu toque para que se sintam humanas e se lhes deres com um alfinete elas mexem-se e gritam de dor “hey! Não quero ir pró céu só quero twistar-te” e a avalanche de palavras derramadas por um dicionário semeiam diversos signos que representam universos que paradoxalmente associo à tua pessoa que é um volume incerto de beleza etérea que se espraia heterogeneamente e se solidifica sobre um tecelão branco e sossegas numa cama de lençóis turbulentos que são o reflexo dos pesadelos que se transformam em sonhos “e não ficaste a rir-te e nem tive que mentir-te é que para sentir-te escusas de despir-te” e de me escreveres uma carta com poemas em hebraico manuscritos em papiro ou apareceres de rompante numa montra ao lado de manequins que vestem Prada; Bone Zeno (voz, guitarra eléctrica, pandeireta no pé esquerdo) discorre essencialmente pelo blues mas sucumbido à guitarra eléctrica distorcida por vezes inserida em loop primando por riffs repetitivos como os provenientes do delta do Mississippi mas se isto é uma memória recorrente é valorizada por uma voz grave e contida que a transporta para a urbe americana e é nesta relação que o músico é visceral porém há pontos negativos a apontar o prolongar excessivamente as canções e dando-lhes remates que não se encontram harmonicamente relacionados e este excesso representa um músico que está a jogar com ele próprio num princípio equiparado ao exibicionismo; e na outra margem dos seus pensamentos há uma luz que cintila no escuro onde um selvagem rumina uma planície verdejante como se fosse uma preze “hey! Não quero ir pró céu só quero twistar-te” hey “hey! Não quero ir pró céu nem quero dominar-te” hey “hey! Não quero ir pró céu nem quero dominar-te” hey “hey! Não quero ir pró céu nem quero dominar-te” hey “hey! Não quero ir pró céu só quero twistar-te”.
Bone Zeno + Drunks on the Moon, 5 de Dezembro, Teatrão, Coimbra.
(1)-“Twistarte” (1983) incluído no EP dos GNR “Twistarte” (Rui Reininho, Alexandre Soares, Jorge Romão, Tóli Cesar Machado).
Dedicado ao Victor Torpedo.
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