domingo, 11 de fevereiro de 2018

Ideograms in China

Nuns olhos opacos navegam cinzas que escorrem sobre a terra vulcânica seguindo um rumo desordenado imposto pela ventania que se erguem para um ponto negro que se dilata e se contrai sucessivamente num compasso que desenha uma circunferência onde estão delimitados os desejos infames e desfaz-se um pano de cozinha em migalhas que constituem um país de esfomeados que se regem pelo cálculo e pela espada de sete cabeças que projecta fogo sobre os infiéis que oram em vão e num vão de escada dormita um caloiro que sonha em matar o seu pai e a sua mãe e a irmã e envenenar a cadela com o período que lhe assedia a memória e lhe dá vulnerabilidade e o enfraquece e ensaia duas voltas no caixão como se estivesse à espera de uma mão que o resgate da digressão; o festival Clap Your Hands And Say F3st! convida para esta noite gélida os Obaa Sima e os Ermo e os de Leiria são uma dupla que se apropria de um teclado e de uma mesa de mistura e estabelecem um jogo sónico em que domina a antítese-- como se estivesse a decorrer um diálogo entre duas pessoas com perspectivas diversas e diferentes sobre inúmeros temas-- mas há um ponto em que as máquinas se interseccionam e é aqui que há uma irradiação de algo tão imperceptível quanto belo advindas de texturas de sons concretos ou da sobreposição de ritmos e até compressores e outros artifícios que oferecem â música electrónica uma qualidade invejável e ainda há a salientar que há a pretensão em citar a vanguarda em que está envolvido por exemplo o Ryuichi Sakamoto entre outros génios; que se desloca das altas para as baixas pressões e se dilui num intervalo eterno e no seu decorrer imiscui-se uma plêiade de figuras que de noite correm por entre árvores radioactivas que as contaminam com um bem-estar desmedido e os obriga a acelerar o ritmo e se empurram para lá das linhas que delimitam a felicidade numa satisfação aguda que estoira numa miríade de cores artificiais e se solidificam em estruturas de metal amputadas dos seus membros superiores e inferiores que sitiam estrelas espelhadas em charcos pérfidos que exalam uma podridão de vala comum que provoca o vómito a viúvas divorciadas do recanto da vida que dia após dia se consome numa rotina em que se multiplicam em noites soturnas que impõem a cegueira a um sonâmbulo siamês que deita papéis para o chão e mija para a esquina do seu calabouço comprado com um empréstimo feito pelo Diabo; os Ermo são uma dupla de mascarados ao redor de dois teclados e as canções indubitavelmente são acompanhadas por strobs que impedem que a fotografia resulte e a viagem que encetam passa maioritariamente pelo dub (entre outros subgéneros) e pela pop acrescida pelas vozes cantadas em real time e se as estruturas estão devidamente identificadas ainda lhes acrescentam improvisos que nem sempre se coadunam e nessa medida são redundantes e quando aprofundam a pop esta é transcrita segundo parâmetros em que domina uma perniciosa kitsch; e do outro lado voltam-se devagar esferas de peluche reflexo de uma entidade inócua oferecida a um espectáculo em que se põe de gatas como uma gata remelenta que seduz indiscriminadamente quem se recusa a lhe matar a fome promíscua que lhe corrói o espírito numa paranóia de cólera sadomasoquista e a sofreguidão da sua máscara é um torpor assassinado por um óbito e um martelo martela o vento e expele faíscas num fogo de artificio que vibra fantasmagoricamente como um tremelin que se dissipa na tempestade divina de camaleões a copularem em Março maduro Maio e o milagre é um espelho a derreter-se em lágrimas de mercúrio que borbulham num rosto de um adolescente que as espreme para o telemóvel e se ensurdece com música tão acéfala quanto os seus pais.

Clap Your Hands And Say F3st! (Ermo+ Obaa Sima), 9 de Fevereiro, Teatro Miguel Franco, Leiria.