Há uma beleza rebelde no ar que plana como uma pomba branca que pinga sangue sobre os vidros de carros estacionados em redor de árvores vadias e ouve-se o grasnar de uma cegonha grávida de nove meses que procura um poste de alta tensão para ter o filho e num beco aglomeram-se seringas de botox que são pontapeadas por cavalos que defecam para deixar um rastro de dever cumprido e uma bandeira azul com ossos cruzados numa caveira é içada por uma delicia do mar e simultaneamente o hino nacional irrompe de bocas disléxicas que trocam os “vs” pelos “bs” e omitem os “rs” num nexo causal que prima pelo desafino e algures há um cruzamento de informação de cabeça para cabeça num “bip” bipolar descoordenado num dia noite no outro dia menos um para a eternidade e talvez num quarteirão se passeiam ratos de esgoto como prostitutas à procura do céu tingido pela esperança de que as estrelas brilhem por elas e no cimo de uma vertigem agreste surgem espectros que se dissociam da realidade numa sobreposição intermitente como os versos intercalados de um soneto assinado por um antónimo e o “ZZZ” de um eclipse num vitral cerceia a córnea e a fere numa mancha negra de soldadura que une nus artísticos filmados por uma câmara de vídeo amador que uiva de prazer e transmite para a fita magnética que se enrola num círculo negro a acção censurada por um “X” de um canal de TV generalista; encontro-me em Coimbra no Teatrão a propósito da estreia em Portugal dos Soft Grid um trio que opera através da voz (de duas das cantoras) de dois teclados e do baixo e a guitarra eléctrica um violino e uma bateria e as seis canções que na sua maioria ultrapassam os sete minutos são dominadas por estruturas que partem de um principio synth ou rock que com o decorrer do tempo se transmutam em algo mais complexo pois intercalam as diferentes partes promovendo a divagação ao ouvinte que tem o papel de construi-las segundo as suas capacidades cognitivas e é isto que torna o concerto em algo tão precioso quanto fundamental porém há que sublinhar a ausência de mais efectivos na plateia que devem ter ficado em casa à volta de uma fogueira de ócio; depois de antes e subsequentemente limitam-se as linhas de um jogo em que perdura a sobriedade e a vitória é para os perdedores que licitam epopeias com a convicção suprema de que representam o seu imaginário numa fuga calculada ao lugar-comum que aborrece o espírito e o torna tão miserável quanto invertido numa prática típica de um colectivo suicida registado num sindicato com um símbolo excêntrico e de uma bola de espelhos são reflectidas as cores de um very light que indefinidamente decoram a caverna de um físico a experimentar cálculos durante o Verão e nos intervalos abastem-se em comparecer à parada dos seus contemporâneos que se regem por leis que dinamitam a Terra e num semáforo está um esqueleto a acenar adeus a quem passa sob a chuva e lhe respondem efusivamente uma primeira e última vez uma e outra vez e no topo de um prédio há um foco de um tronco em auto-combustão que incendeia o quarto crescente da lua de papel do candeeiro do tecto com fronteiras em estuque e num parque infantil elimina-se a solidão pois um cão de crómio cheira o pó como se fosse cocaína e se afasta rapidamente a fungar como um fugitivo e insurge-se um tempo que se encontra suspenso e que congela ilustres em metal corroídos pelas chuvas ácidas e acrescento que num estábulo há uma luta de galos que se rebelam contra o poder da abelha rainha à qual o carteiro entrega uma carta com remetente anónimo.
Soft Grid, 6 de Fevereiro, Teatrão, Coimbra.
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