segunda-feira, 9 de abril de 2018

Armance

A hibernação é quebrada pelo estilhaçar de petardos que anunciam o alvorecer de um Dj que roda um disco sobre num palito de bambu e vultos dançam segundo o hip hop e é imperceptível destrinçar quem são as miúdas ou os rapazes sob as luzes intermitentes com mais swag e a ignição para resistir ao cansaço é Red Bull que lhes percorrem as veias e aceleram os corações que se debatem contra si para sobreviver às inundações de sangue e o silêncio é um constante ZZZ que percorre as hiperligações do cérebro com data do Facebook onde descarregam caretas com gestos obscenos e riem dos actos de rebeldia inconsequentes ou discriminam os pais da sociedade e insurgem-se contra o hacker que apaga o “Despacito” do Youtube e que os impulsionam a um virtual suicídio de mãos e pés atados para um vácuo sem resgate porque não são o Banco Espírito Santo nem o Novo Banco antes perfis violados pela Cambridge Analytica; noite de festa no Teatrão que recebe pela segunda noite consecutiva os míticos Pop Dell`Arte que no dia anterior tiveram como convidado o Rapaz Improvisado na de hoje há a estreia de Victor Torpedo com Vera Mahsati esta última veste o traje egípcio das dançarinas do ventre; no caminho invernoso para casa param em roulottes brilhantes e tentam acenar a táxis acelerados e esperam pelos amigos que estão a fumar charros encostados a um carro da PSP e um se projecta em raver numa nave com lar de luxo e hospital sem lista de espera ou com maquinaria obsoleta e o outro deseja que o tempo se acelere para se rever algures e esta imprecisão o frustra e se refugia nas gargalhas intercaladas que presume que sejam tão fantasmagóricas quanto distorcidas; e o símbolo de Coimbra na guitarra maioritariamente em delay que evoca um universo rockabilly que encontra nas programações um indutor kitsch e a sua partener dança ao evocar através do seu ventre uma movimentação que ondula e corporiza um exotismo de uma sensualidade avassaladora e quando ambos dançam ressalva um quadro harmonioso em que impera um elán que se aproxima da perfeição; e quando se é um rapaz se aspira a ser um homem que seja digno de diversas responsabilidades mas quando ainda se é um rapaz há que ser um rapaz que tenta impressionar as miúdas que os acompanham por túneis intermináveis onde ecoam as suas vozes num desalinho que conduz a uma comunicação distorcida em que o emissor e o receptor são um só elemento e relutantemente espreitam para o exterior onde a luz anil apaga gradualmente as estrelas que são tão mortais quanto os jovens que as julgam eternas se uns dão as mãos é porque estão dominados por um amor que cerceia os seus coração e nessa medida o cânone ao qual a memória dá um valor inestimável mesmo que um dia se esqueçam um do outro a herança é para ser gerida consoante a intensidade desse sentir primevo; Pop Dell`Arte se assumem desde a primeira canção os dealers de uma distorção que é um fio que somente é silenciado quando sucedem um conjunto de canções que citam o vaudeville ou a chanson française e nestas sobrevém a beleza de uma delicadeza desarmante e a voz do João Peste se aproxima de um narrador que se limita a repetir uma frase ou a instituir uma onomatopeia que sobressai dada a sua estranheza; e aproveitam e tiram uma selfie enquanto se beijam e nesse instante a felicidade exala para a alma através da auto representação tão inócua que preenche os egos e os faz delirar com a imagem e a maioria desaparece por entre um jardim com um lago onde um pato assedia uma pata através de um canto monocórdico e grave que é expelido num scat os restantes sapateiam num carreiro e atravessam uma ponte sob a qual navega uma gôndola em miniatura com um gondoleiro que acompanha um casal por entre os canais de Veneza e sonham um dia estar no lugar dessas figuras de madeira pintadas segundo a ilustração de um romantismo fílmico que é um estereotipo que desconhecem mas que os atrai porque representa a união num espaço que ignoram o seu valor patrimonial e que representa o idílico que descodificam como algo único e irrepetível; nas restantes há a desconstrução de diversos géneros seja o rock o noise o hard rock a pop e estas fundeiam numa extravagancia vanguardista e no centro está estático João Peste que canta através da onomatopeia ou em divagações inerentes à poesia abstracta que é por vezes política outras se limita a um absurdo iconoclasta e sendo assim somente se lamenta que o concerto tenha um fim mas antes convidam o Victor Torpedo para com a sua guitarra e voz aprofundarem um universo onde se destaca a liberdade como catalisador de uma nova consciência que deveria ser amada pelas massas.

Pop Dell`Arte + Victor Torpedo e Vera Mahsati, 6 de Abril, Teatrão, Coimbra.

Nota: Através da denominação Romanta presto homenagem à Ama Romanta editora do João Peste.