sábado, 7 de abril de 2018

The Vagina Monologues

A mira técnica espelha uma tset-tsét numa lentidão induzida pelo pasto contaminado por THC e num céu austero se invertem as cores marítimas com dúzias de nuvens vaginais algumas estão silenciadas por Tampax e a da Josefa de Óbidos é domesticada pelo Marlon Brando molestado por uma dona de casa ignorados por uma frustrada por sofrer com o advento do período induzida por agentes secretas a um marejar hipnótico de búzio do mar morto e umas tontas lutam por saltos altos desenhados por um colono de Deus e um chuvisco de esperma atemoriza as noviças prenhas de ovos de cegonhas que se dissipam na paisagem à japonesa do Van Goth onde assobiam orgamis pela Primavera que um dia volte a inspirar os países árabes agrilhoados a bulas sectárias inesperadamente se recolhem à costa uma vara de vaginas para não perecerem com as correntes ácidas recebidas na praia por voluntários que as espremem numa extrema-unção de prazer; Paulo Bragança é o único fadista português que se pode orgulhar de representar o fado não porque usa xaile ou fato e gravata nem tão pouco tem no currículo as casas da especialidade no Bairro Alto antes porque esteve exilado mais do que uma década e por isso consubstancia o drama da saudade que nutriu enquanto se passeou pela Europa e o seu regresso aos palcos encontra uma nova etapa na sua vida com a edição de “Cativo” que serve de pretexto para se apresentar no Teatro Miguel Franco; e um coro de virgens entoam timbres de eunucos ressabiados que convidam as sobreviventes a ingressarem no seminário virtual onde um ginecologista de hábito negro se compromete a as agrilhoar à azulejaria rococó e as vaginas das tias que se julgam livres são assediadas por grafiters com tags coloridos inspirados na United Colors of Benneton e paradoxalmente insatisfeitas tratam por você os artistas que acendem cigarros electrónicos que apagam nos seus lábios vaginais que gemem por você e os tragam deliciadas fortuitamente unem-se às discriminadas e fundam uma associação raríssima que defende a libertação das que militam em partidos de marialvas subsequentemente umas vaginas vadias banham-se numa nuvem recebidas com alarido pelas “Les Demoiselles d'Avignon” imortalizadas por Picasso; acompanhado pela guitarra à portuguesa de Lisboa e ainda pela guitarra acústica e por um contra-baixo e numas cinco canções por uma guitarra eléctrica e “Fado Mudado” é cantado intercalado pela fala com uma base musical que acompanha estas mudanças de frequência de forma assertiva e elegante esta canção é de um eclectismo que não encontrara qualquer similar nesta noite porque as seguintes estão cerceadas por um classicismo fadista ou por géneros que lhe são alheios seja o blues e ainda por laivos de jazz ou a pop em “Soldado” dos Sitiados que dedica ao malogrado João Aguardela e “Remar Remar” que não é uma homenagem ao Zé Pedro dos Xutos & Pontapés pois faz parte do seu repertório pelo menos há vinte anos a primeira versão é de uma textura fúnebre que realça a veia fadista que é oprimida em favor de algo inexplicável de tão belo a segunda é uma trip hipnótica que transpõe um sacrifício que perpetuamente não se concretiza; e numa parada em honra de um chefe de Estado do rock and roll sucedem-se as vaginas groupies com nomes impronunciáveis e pêlos públicos oxidados há outras que adoram música clássica e abrem as pernas aos violoncelos e sentem no seu interior os acordes graves da solenidade do amor que as impedem de fingir o orgasmo e se processa uma outra minúscula ligação entre diversas forasteiras que regam os campos de gasolina para incendiar os pénis de eucalipto que atentam contra a paisagem de machos de carvalho e castanho com ADN de bombeiros musculados e se insurge uma ilusão de vaginas abstractas que se libertam desta condição ao se condensarem numa bandeira de libertinagem filha do Marques de Sade que são gozadas pelas anoréxicas em coices de mulas e se ainda restam algumas vaginas é porque o tempo é propício para as revolucionárias do Instagram que se exibem de cuecas de fio dental para que sejam analisadas pelos doutores do senso comum são perseguidas por chatos que lhes enviam mensagens indiscretas que enxotam com leques perfumados com águas coloniais e ainda no céu se sorteiam rifas para a quermesse; há a destacar a versatilidade da voz do Paulo Bragança a extravasar para além de qualquer um dos géneros acima discriminados assumindo-se como o centro estético responsável pela ignição para o nosso coração e nessa medida o reivindicador de emoções somente alcançáveis através deste médium que merece as palmas que em pé lhe são endereçadas que prestam homenagem a alguém único e como tal não há estátua que o represente nem condecoração que o distinga porque o Paulo Bragança é o Paulo Bragança; com marionetes a pilhas que são obrigados a fazer arqueologia em cavernas de carne de onde escorre saliva que inunda o seu sistema com um app para descobrir os pontos secretos que à luz do prazer as fazem divagar num Universo em que impera uma abstracção que por segundos as completam e são a representação de uma resolução que vista do exterior é a “Origem do Mundo” do Gustave Courbet.

Paulo Bragança, “Cativo”, 5 de Abril, Teatro Miguel Franco, Leiria.

Dedicado às Vaginas Convulsivas.