segunda-feira, 14 de maio de 2018

Les Mamelles Tirésias

Uma porta entreaberta espreita para uma laranja descascada de pele esbranquiçada e pontualmente felpuda deitada num colchão de mármore cor-de-rosa pousa na almofada a quebra cabeça com resquícios de vitamina C e as imagens irrequietas que sonha a televisão são um debate de vozes intercaladas num eco oco e ela fantasmagoricamente vomita pela bica pregos de agulhas de aço escudos para investir em próteses cúbicas biodegradáveis e alastram lágrimas de cera que pingam sobre a superfície branca que representam uma beleza efémera de pérolas que luzem durante o luar numa corrente em que prevalece um intercâmbio de pensamentos sobre o desabrochar de uma flor colhida para decorar o seu coração viciado num egocentrismo umbilical que a prende às oliveiras nuas que se bronzeiam por amor ao azeite; Unholy Madness são um trio de mataleiros com capas pretas e com um anagrama branco nas costas poderiam ser musicalmente misteriosos ou profanadores de túmulos mas resumem-se a um decalque heavy do cânone de bandas americanas que iniciaram a sua carreira no inicio da década de oitenta do século passado; Sins Of A Man diminuem o peso sonoro comparativamente com os Unholy Madness porque começam com um funk misturado com rock que dominam com mestria mas o FM é um veneno que os torna tão unidimensionais quanto supérfluos e dedicam uma canção ao amigo desaparecido “Zézito” ao qual os Gypos dedicarão a sua actuação; o Billy Lobster é um rapaz que domina a guitarra eléctrica e o bombo com a respectiva pandeireta no prato de choque e as suas canções são similares aos de outros one man band que ouviram os discos dos mestres do Missisipi e as canções até são suportáveis contudo as suas observações são de uma boçalidade censurável “música para ir ao cu devagarinho”; “a próxima é estúpida”; “isto está uma desgraça”; “não vai-te bater”; “vamos fazer uma cena” a “cena” seria corre-lo à pedrada; Lazy Eye Society são quatro rapazes de Coimbra que descarregam o grunge na sua vertente mais comercial que fez sucesso na década de noventa e são de tal forma fiéis ao género que poderiam estar outros músicos a substitui-los que não haveria qualquer diferença; e um metrónomo marca o tempo de uma valsa que ondula sobre o teclado de um piano de cauda de palhaço e a sua melodia é de uma soturnidade que evoca uma serva aos logótipos estampados em sinais de trânsito num mar desfeito em salitre anti-congelante a sua alma se reverte para o interior da reverência às pirâmides erigidas por maremotos com peles pontuadas por craquelé e as sombras dos pássaros que voam aleatoriamente são perseguidas por um nómada que as tenta descrever em frases póstumas e futuras e presentes e erige um quadro em que a morte é nula algo que a faz sorrir e olha para um raio de luz que perfura a sua consciência e a irriga de santidade que a instiga a arrastar os seus coutos sobre as brasas que crepitam num sacrifício que a faz se sentir tão viva quanto as serpentes que se enrolam na sua coroa que inspira o poder de dinamitar a eloquência da poesia e se alguém a declama é em nome dos anónimos soterrados em páginas de tecidos vermelhos; A Pupet Show Named Julio o nome indicava que poderia ser um número mexicano porém resumem-se a um agrupamento que toma como ponto de partida as bandas indies americanas que despoletaram no início do novo século e numa curva e derivam para Glasgow mas há uma canção que tem por base um teclado infantil e em que a melodia é dramaticamente dengosa e a voz é meramente presencial e é a melhor; El Señor correspondem a um trio pop indie mas este facto apenas os associa a clichés advindos dos USA com a agravante da secção rítmica denotar inúmeras limitações e em especial o baterista que tem o talento de transformar o concerto num contínuo similar algo que é entediante; e num postigo duas sócias de uma mulher barbuda que engole chamas e as expele de uma tromba que espanta as testemunhas que tremem com o hálito a combustível e do fumo surge uma estátua e as palmas de carne e osso têm o ritmo fúnebre da congregação com fé na sífilis liderada por Gaugin; os Gypos têm raízes no rock noise nova-iorquino da década de oitenta do século XX que é devidamente ilustrado canção após canção mas tornam-se deveras interessantes quando divagam por um psicadelismo fílmico e há ainda a destacar o Johnny Gil na voz e guitarra que para além de ser o curador do Rock Of revela uma performance em que desenha uma demência de quem encarna uma persona à beira de um abismo rock; e o toque da sereia desperta um fauno que estica os braços bronzeados e tonificados a empurrar o céu contra o universo com buracos negros e clivagens entre galáxias paradisíacas e ela mergulha num monte de entulho que no fundo tem um lençol de lixeira sobre o qual corre uma bola em direcção a um esgoto onde bóiam dois tampões e uma fez e uma dentadura postiça manchada de baton sorri para a posterioridade; Nancy Knox é uma jovem cantora pueril que se faz acompanhar por um guitarrista vestido de cabedal preto que empunha uma guitarra eléctrica em V que descarrega a distorção aos quais se juntam as programações maioritariamente dançantes temporalmente enquadradas nas duas últimas décadas do século passado geograficamente situadas em Nova Iorque e na Áustria o centro é a cantora que tem uma voz de uma alegria contagiante e quando dança é sedutora e a pop é um espelho descomplexo que mistura dois pontos sonoramente opostos e resulta em algo original a surpresa do festival há ainda a destacar o poema dito/cantado à capela que é de uma elegia pop desarmante de tão belo; os Moon Preachers são um duo noise rock psicadélico e cada um destes géneros é administrado perturbadoramente sublinhados por uma voz dilacerante induzem o espectador a trips em que domina a vertigem provocada pelo estatismo do tempo somente épico; com conchas pontuadas por mamilos e a chuva dourada irriga a superfície de uma banheira de dossel flutuante por esgotos nunca dantes navegados as ondas são foles de metal que emitem sons agudos e graves que anunciam o advento de um outro tempo que é similar ao que hoje lamuriosamente se decompõe; os 800 Gondomar se dividem pelo punk rock mas o que domina é o punk mas há um equívoco que domina as canções que é a incapacidade de anular a similitude de cada uma das mesmas e como tal teria bastado tocar uma e teriam resumido o seu contributo no Rock Of.

14º Rock Of, 11 e 12 de Maio, Clube União Vilanovense, Vila Nova, Cantanhede.