quinta-feira, 5 de julho de 2018

Performance Art: From Futurism To The Present

A luta percorre o subsolo que provoca a subida da temperatura se o centro arrebentar espumar-se-á em lava branca e manchará as rochas negras testemunho de que há passado e presente e futuro concentrados no interior de uma redoma de látex e a comparação é equiparar-se a um como sem como numa frieza que endoidece a luz que procria maravilhas num assalto como uma violação perpetrada por um petrarquista revoltado com as cores agrestes de uma esfinge que finge ser esfinge latina americana a decompor-se estação do ano após estação do ano à superfície da Terra em perpétua mudança subtraindo o perecível e arquitectando outras paisagens produzidas para seduzir quem as observa ao microscópio e contrariadamente na sua pequenez parece tão micros que se julgam macros organismos talvez se alguém os institua a uma outra dimensão e lhes outorgue um outro propósito talvez se ergam do subsolo como a lava de esperma que iniciou este testemunho anti-crónica e de palavras pró-cónicas; o Salão Brazil apresenta as Raincoats para uma noite que encontra a sala lotada antes surge no palco Ana Silva que anuncia algo como isto que vai subir ao palco o filho de uma das suas companheiras e o rapaz deve ter uns quinze anos e somente com a guitarra eléctrica estrutura as canções que são alegres e remetem para o universo próprio de um adolescente e há ainda a destacar o seu timbre que é adocicado digno de quem ainda tem resquícios da voz de quando ainda era criança com uma desenvoltura advinda de uma confiança estranha para alguém tão imberbe pena que não haja uma maior diferença melódica de canção para canção mas é uma surpresa deveras agradável; que se enrolam e se misturam com as serpentes que serpenteiam para abocanhar o mar que há no mar as nereidas que inspiram os ventos envenenados se flutuam à espera de uma onda que lhes dê a mão para o fundo do fundo onde ficarão sepultadas ao lado dos poetas que escolheram uma falésia para se atirarem em definitivo a um leito que em tudo não se assemelhava ao útero materno viscoso e quente ligado à corrente por um cordão umbilical e as escadas rolantes que se enrolam e desenrolam sobre as casas ou castelos com virgens antropomórficas cantam aos trovadores que perderam a voz num duelo em que de um lado estava a vida e do outro Dada que provoca uma desordem no contexto de uma vivenda ocidental no cimo a bandeira de costas ensanguentadas a origem de um progresso em nome de um outro vulgar ou não Cabaret Voltaire e há pernas a saltitar figuras de máscaras incólumes que se disputam para existirem para além do futuro num libreto de aniquilação do teatro naturalista onde pastavam vacas e jumentos em casas com estábulos e lareiras a crepitar por paciência para com o tempo real fruto de tanta intempestiva regressão; os cabeças de cartaz são três senhoras e esta descrição deve-se ao facto de duas aparentarem se aproximarem da terceira idade mas tal é discriminado para realçar que o rock ou a pop não são exclusivo de jovens para jovens algo que nos fazem acreditar diferentes agentes culturais criando dessa forma um preconceito para quem ainda é válido em cima de um palco e as suas canções têm diversas linhas mestras como por exemplo uma economia de instrumentação que se resume à harmónica e às guitarras e ao baixo eléctrico e a um violino e à utilização das vozes em harmonias quentes aliás que paradoxalmente não se fundem à rudeza dos acordes das guitarras mas que encontram cumplicidade com a violinista e o balanço melódico é desenhado como que a permitir ao ouvinte fazer uso do seu pensamento formal para construir a sua canção e ainda é-lhes característico a inexistência de um refrão e este ponto é importante porque revela que não estruturam as suas canções segundo um cânone conhecido pelas massas e as letras têm diversos temas existencialistas um dos quais é o feminismo das quais são dignas representantes; abre-se o pano e sai o coro de poemas malditos porque amaldiçoam os presentes e os ausentes que se divertem com o caos e incrédulos derramam ruídos de bois com o cio e os agentes da autoridade expulsam os actores das suas personagens mas a revolução há muito que começou desde que se incendiaram as pálpebras e os sonhos passaram a ser de todos os que aspiravam a um caos similar à origem do Mundo descrito num livro de contas com iluminuras em que Adão e Eva disputavam os frutos proibidos e trocavam de corações que eram meros metrónomos que marcavam o ritmo de uma melodia sem refrão que repetida era um uivar irrepreensivelmente belo de tão desconcertante e o silêncio é somente uma utopia ou uma ideia que por vezes comporta o vazio que somente os futuristas conhecem pormenorizadamente através da análise da sua substância de fluxo incoerente e a partir da qual inscrevem um auto de fé onde transformam em cinzas o passado.

The Raincoats, 3 de Julho, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória do Ricardo Camacho.