quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Livro De Memórias

Há anos que procuro do outro lado da estrada por um mapa que se aproxime da realidade que contorna os tecidos à minha volta e há restos de cinza sobre os meus pés marmóreos a meditação é um refúgio onde declaro através do silêncio morte ao sol é a ignição para os fogos nas minhas mãos de gigante que onde tocam declaram-se numa auto-combustão por amor sob a chuva outonal em pingos quentes de sémen disposto a lutar por uma caverna em que tatuam o pó que se vem num gemido prolongado e sentido num coral de absurdo prazer e talvez os anjos estejam atentos à volatilidade do tempo e com as suas forças tentam detê-lo e em vão assumem-se heróis de uma vitória frustrada soam as trombetas de Falópio e o fogo preso assinala que é nesse instante que se consubstancia nos subúrbios da cidade invicta o nascimento de uma flor raquítica em redor de uma teia de onde saltam palhaços para uma piscina propriedade de crianças órfãs da felicidade e recuo a fita magnética e as imagens sequenciam-se numa lógica absurda e não sei se assim é a vida ou talvez a sua representação que é uma muralha de prata onde dança uma lágrima negra de um elefante mutilado para subir ao pódio dos sem abrigo em vias de extinção na Ilha de Páscoa onde as cabeças esperam há séculos por ninguém somente do sol e da lua e de raios advindos da conjugação de opostos elimino-os do meu coração de ouro que se reúne em redor da solidão dos que lutam a favor da desordem que contrariadamente jamais se estabelece como denominador comum e ao longe há uma resistência à duplicação das palavras que me espelham com a pontuação invisível e fecho os olhos para me intrometer numa memória em que fugazmente se encadeiam figuras familiares disformes; o festival Lux Interior que irá decorrer no proximamente no Convento São Francisco e no Salão Brazil está previsto um preludio dessa noite com os Luna e Birds are Indie que se apresentam com um convidado de luxo alcunhado de Jorri no baixo eléctrico e as canções versam a pop com ramificações a Londres e a Manchester da segunda metade do século passado e se seguem esses cânones é porque lhes reinscrevem outras tonalidades que cativam sem que tal seja notado por parte do ouvinte e ainda deve-se sublinhar algo central no seu discurso e que de facto é essencial para os discriminar positivamente que é o ludismo pop que remete para uma cinematografia em que domina o humor ou a ironia e que afunila sobre questões amorosas e ainda reinscreve a utopia de um instante perfeito; Luna são um quarteto americano que explana inicialmente um psicadelismo que gradualmente ganha uma forma com uma acuidade perversa por ser de uma intensidade similar a um sonho em que as coisas flutuam e lentamente desaparecem para serem substituídas por figuras que correm sem que se movimentem no espaço e ouvem a voz de um narrador que ora fala ora canta equiparando-se a uma poética memorialística acompanhado por uma secção rítmica que é de tal forma perfeita que se assemelha a uma máquina por inventar e ainda a guitarra solo em delay a suplantar sonicamente muitas das estrelas adeptas deste efeito sonoro numa palavra os Luna são únicos; colo-os à parede do céu para que por oposição reconheçam o Inferno e na imensidão da hipótese esteja alicerçada um supremo devir e a pausa intervala como uma fossa aos pés de dólmenes numa floresta inóspita onde se recusam abandonar os entes em pó e num ponto que se subdivide em outros que se reúnem em círculos egocêntricos de onde sobressai a ignorância obcecada com a ganância e o resultado é a fome que os alimenta diariamente desligam-se as fragrâncias etéreas e surge a apetência por algo que se distancia em cada movimento ocular mesmo que seja o vómito seco e a mão ensanguentada a segurar um aparo espetado no meu coração sepulto numa caixa de ressonância que emite um som nulo que paradoxalmente me confere uma existência ficcionada e nesse canto negro objecto de culto dos meliantes que traficam a droga do tempo num arrebate de loucura que promiscuamente se imiscui na eventualidade de o regresso ser objecto de estudo por parte de académicos habituados a determinarem o sentido da audição e num encontro atrás de um biombo transparente onde circulam serpentes a salivarem veneno que impregnam as palavras movediças que identificam a origem do primordial pecado se há a possibilidade de hibernarem durante o Inverno e florirem durante o Verão talvez sejam verdadeiras pois constituídas por matéria imortal mas a fúria com que cavalgam os templários é em nome de uma ficção escrita por um escritor fantasma que se concentra na sua musa de peitos nus com uma coroa de uvas que é debicada por um grifo recém-nascido num tempo fronteiro no qual habitam os poetas que se imiscuem na relação entre o cérebro e a alma e cativam um repertório de teses que tentam contrariar o sentido da vida ofertando a quem passa a dimensão de um outro sujeito que enaltece e consubstancia o prazer do nascimento de uma luz que percorre os campos e os irriga de uma tonalidade diferente do dia anterior em que o sol se sepultou às mãos da lua.

Festival Lux Interior, 4 de Setembro, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória do Conway Savage.