terça-feira, 4 de setembro de 2018

Siddhartha

O festival Gliding Barnacles para além de inúmeras actividades recreativas tem como centro a pratica do long board que decorre no Cabedelo e a garagem Auto Peninsular situada no Bairro Novo é escolhida para uma colectiva de artes plásticas e provas de vinhos e gastronomia e o palco é ocupado pelos Slushy um quarteto composto pelos mesmos músicos dos No Bunny que encerrarão a noite e esta surpresa (já que não se encontravam no programa previamente divulgado) é uma oferta de rock de características retro que remonta a Nova Iorque da década de setenta e se é delineado com precisão falta-lhe a eloquência necessária para se destacar de bandas similares e expressar traços de alguma vitalidade; os Vaiaparaia E As Rainhas do Baile têm como princípio quase invariavelmente acordes dos Nirvana que posteriormente sofrem diversas alterações rítmicas que resultam em algo entusiasmante porém isto deteriora-se por as soluções serem quase sempre as mesmas algo que é deveras entediante já a voz do cantor/performer tem uma amplitude apreciável mas paradoxalmente em diversas canções é impossível perceber o que canta em português; No Bunny vestem de coelho e há cenouras coladas aos tripés algo que confere aos americanos de Chicago (e não da Califórnia como foram apresentados) uma imagem de músicos que não têm a pretensão de verter canções que tenham um cunho austero ou melancólico antes estão dispostos à diversão seja através das letras absurdas ou das canções que se encontram muito próximas às dos Ramones que poderá ser catalogado de pastiche mas isto são meras considerações que devem ser esquecidas dada a fluência e violência técnica com que são implementadas jogando com um público que tem de implorar por mais uma canção ou suster o vocalista que se atira da coluna num último acto de demência; (praia do Cabedelo) The Rooms é um quinteto de Leiria liderado pelo André Castela e as suas canções são um compêndio de Rock and Roll que se divide em diversos centros seja o de L.A na década de sessenta ou o rock progressivo londrino e se por norma excedem os seis minutos (a última tem doze) deve-se à capacidade artística de conduzir o espectador a diversas paisagens sonoras seja o deserto ou a cidade e nessa medida cada um dos temas cumprem essa premissa cantados por uma voz potente que é catalisadora ao detonar um outro mundo ao qual é-nos proposto que lhe confie uma pátria imaginária; Cow Caos são um colectivo de rapazes com uma dançaria que grita ou diz algo sem sentido e a sua performance impregna-os de um kitsch desconcertante e musicalmente divagam por inúmeras paragens exóticas que são apresentadas numa perspectiva quase jazzistica de uma elegância abrasiva; (garagem Auto Peninsular) Kaliscut são um quinteto que têm no cantor um melómano dado o facto de ter ao pescoço um 45 rotações sobre a camisa branca que de cantor tem pouco ou quase nada sendo um ponto de ruído e o resto são rascunhos de estereótipos do reggea e do rock com mais de trinta e cinco anos; Time For Tea começam com uma pop contida num meio tempo elegante com a conivência de uma voz sedutora de tão melodiosa porém quando as complexificam ganham uma lógica que não as favorecem e as relegam para a banalidade; Fugly são sublimes ao injectarem no rock inúmeras variantes que são de tal forma aplicadas que é difícil perceber em que parte se encontram as canções e isto a um ritmo estonteante com origem no trash como se estivessem a executar um número no qual domina a surpresa e o espanto e o público está à altura deste desafio deixando-se deglutir pelos Fugly; Pinela é o convidado para Dj na praia do Cabedelo e este ex-Capitão Fantasma roda clássicos da música americana com preponderância para as décadas de cinquenta e sessenta; Drunks On The Moon são um dueto que apresenta um conjunto de canções que primam por uma elegância atroz atribuir-lhes a designação pop poderá ser erróneo porque as estruturam de forma diversificada e em que prima uma melancolia que a espaços ganha outras fronteiras e estas ramificam-se em diversas memórias sónicas sem que seja perceptível a sua origem e como tal são surpreendentes; (garagem Auto Peninsular) Marc Valentine apresenta as origens do rockabilly e fá-lo de uma forma assertiva sem a pretensão de lhes incutir outros géneros algo que para um purista seria delapidar um género que deu origem ao Rock and Roll; Ruby Ann tal como Marc Valentine tem como centro o rockabilly mas tem menos preconceitos que ele já que arrisca a pop e a sua actuação foi tão precisa e elegante quanto seria exigível a alguém que representa Portugal no espectáculo “Viva Las Vegas” em Las Vegas; (praia do Cabedelo) Maxime é um one man band que usa o loop como instrumento primordial mas a questão principal é a seguinte há lógica na inserção da voz ou da guitarra acústica e a resposta é que há mas o que prima é um desequilíbrio que as transforma numa divagação primária e ainda há a censurar os seus comentários (tradução livre do inglês): “não vou tirar os óculos escuros porque fico muito bonito e eu quero é que prestem atenção às canções” ou “esta canção é sobre nudez e eu vou-me despir para aquele homem bonito porque é especial” salva-se a versão “Sympathy For The Devil” dos Rolling Stones; os Ganso têm como eixo transatlântico Portugal e o Brasil do primeiro delineiam o ye-yé e do segundo as melodias quentes e kitschs ao que se deve somar um psicadelismo exótico e ainda acrescentam citações dos Beach Boys e dos Beatles isto estruturado segundo uma métrica em que se fundeia o português de uma voz roufenha (a seguir com muita atenção); (garagem Auto Peninsular) Bad Pig são um trio que tem um som excessivamente alto como se este fosse mais importante do que as canções punk/trash/hardcore que primam por uma unidimensionalidade que as aniquila e ainda há a censurar o comportamento do baterista que na plateia destrui o tripé e o prato de choque sobre o palco não creio que a destruição seja do que for seja política deste festival que advoga a inclusão social e a defesa do meio ambiente; Scúru Fitchadu a partir do funaná têm o talento de associa-lo a outros géneros como o hardcore e se aparentemente esta relação é paradoxal não há vestígios de tal antes criam um universo em que domina um abjecionismo sónico que é desconcertante; Bad Pelicans alimentam-se de duas bandas os Nirvana e os Smahing Pumpkins e esta mistura resulta às primeiras canções porque posteriormente o grunge domina e ainda há a surpresa negativa de uma versão dos Dzert é certo que são eficazes e mantêm uma relação intensa com o público muito por culpa das movimentações esquizofrénicas do guitarrista e estou certo que se por acidente o Kurt Cobain estivesse presente seria fã deste trio; (praia do Cabedelo) sobre os Nooj pouco ou nada há a reparar à sua linguagem pop/rock que executam e por vezes há umas que são mais pop e outras mais rock com letras em português que são meros slogans e deve-se esquecer a que versa sobre o sexo anal; Huggs um trio que versa uma melancolia em que a guitarra semi-distorcida predomina e surpreendem ao evocarem a solidão associada às grandes cidades que nem a internet é capaz de alterar e a voz é a de um narrador que vê uma realidade que o fere por reverter para uma rotina em que impera o vazio; (garagem Auto Peninsular) YGGL é o segundo one man band mas distante da inabilidade do Maxime já que a partir de um muro de guitarras distorcidas pré-gravadas insere uma outra em tempo real e erige um quadro sonoro de uma beleza atroz; Iguana Garcia encerra o capítulo dos one man band e o seu som tem por norma um ritmo festivo que poderia ser usado por um Dj em Ibiza que é prolongado para além do aceitável posteriormente insere uma alteração ora com a voz ou com a guitarra e regressa o ritmo e como tal qual será a nota a dar ao Iguana Garcia uma negativa; The Parkinsons têm a honra de encerrar a quinta edição do festival e fazem-no através de um punk visceral de tão primata mas não é somente de agressividade que se nutrem há a melodia que se estabelece como uma moldura que cumpre o papel de lhes impregnar uma memória e se é quase banal afirmar que são como uma speed bowl que abre brechas no presente cavando um outro tempo em que predomina uma demência que é correspondida por parte do público que segura uma prancha surfada por Alzheimer numa homenagem acidental a todos os que amam as ondas do Cabedelo.

Gliding Barnacles, 28, 29, 30, 31 de Agosto e 1, 2, de Setembro, Praia do Cabedelo e garagem Auto Peninsular, Figueira da Foz.