A figura que está à minha frente modifica a sua expressão de dia para dia e apesar de ser o mesmo rosto este ganha outras características que o redefinem algo que me confunde pois não sei qual é que mais me agrada talvez o de hoje em que sorri como se estivesse agradada pela luz natural que a ilumina mas simultaneamente esconde-se através de histórias que julga que a retratam mas na verdade são episódios nada banais de uma vida passada em Lisboa onde conheceu a Ana Hatherly e o Mário Cesariny e esteve com o artista plástico surrealista a veranear na Costa da Caparica durante a década de sessenta e é incapaz de retrata-lo psicologicamente para além da adjectivação de “louco” ou “libertino” mas quem mais lhe agradava era o Cruzeiro Seixas por ser um homem que divagava por diversos assuntos que a apaixonavam mesmo que fosse interrompido pelo piano do Mário Cesariny que fora aluno do Lopes Graça e que no intervalo bebia vinho e fumava e os presentes detinham-se perante a sua elegância com que dominava as teclas e percorria diversos compositores como Debussy ou Erik Satie e tal como nos seus poemas existia uma melodia que contrastava com uma métrica irregular imersa no verso branco e os temas versavam (entre outros) a condição do homem perante a incapacidade de ser dono de si e consequentemente assumir o poder para modificar radicalmente uma realidade que era de censura e perseguição aos desalinhados fossem comunistas e ou homossexuais os primeiros eram uma ameaça para a nação os segundos pervertidos que mereciam a prisão aliás o Mário Cesariny adorava ir preso porque era mais fácil o engate; noite de festa na Pena equipara-se à Festa D`Anaia no Centro Cultural e Recreativo da Pena e a minha chegada atrasada impede-me de ver os Fugue algo que me irrita mas tal é gradualmente mitigado pelos Gypos que se agigantam canção após canção como se estivesse uma multidão hipnotizada pelo rock que se ramifica ao psicadelismo e ao noise de tal forma equilibrado que é difícil prever que o próximo concerto se equipare mas há uma certeza: “We are the fucking Gypos”; Zanibar Alines delineiam os maneirismos do hard rock originário da década de setenta do século XX com solos majestosos quer da guitarra ou do piano associados a uma voz poderosa mas não acrescentam algo novo e isto torna-os quase um tributo a uma banda fantasma; Fugly são de um composto sonicamente avassalador que deflagra a partir do punk mas mesclado a uma pop que lhes confere uma tonalidade adolescente e se isto não fosse suficiente têm uma presença em palco que o torna pequeno; The Parkinsons desde a primeira canção que não se rebelam contra a condição de messias do punk numa continua explosão de parábolas punk que sucessivamente minam a memória como se fosse impossível reagir à sua violência porque é desta que se alimentam nunca se deixando consumir; já Cruzeiro Seixas esteve na mesma situação uma única vez e teve o cuidado de telefonar à mãe para lhe contar uma mentira para justificar o não comparecer para o jantar a minha interlocutora faz uma pausa e olha para mim fixamente a tentar perceber se estou atento às suas histórias e a Ana Hatherly engatava como os homossexuais lá para os lados de Alcântara onde residia e ela era uma mulher escultórica algo que para a altura era como ver um óvni a passear no Chiado e a artista plástica festejou juntamente com o Mário Cesariny o vinte e cinco de Abril nas ruas de Lisboa inundadas por cravos; Jasmim tem um contínuo pendor slow a partir do qual inscreve inúmeras influências de cantautores portugueses e ainda se socorre de apontamentos do tropicalismo que são vertidos psicadelicamente em estruturas que apelam à contemplação algo que o torna profundamente sedutor; Calcutá apresenta um conjunto de esboços que delineiam um pretenso esoterismo pop que é de tal forma frágil que é quase confrangedor ouvir uma voz tão melodiosa em algo tão insípido; Ganso apresenta-se sem o flautista e talvez este facto o tenha levado a relegar a pop para um segundo plano e o que sobressai é o rock algo que não provoca qualquer desequilíbrio pois não se descaracterizam e o universo sonoro advém das bandas da década de sessenta do século XX seja de Londres ou de Los Angeles; Filipe Sambado e os Acompanhantes de Luxo há uma relação antagónica entre o ritmo dos grupos de baile com a pop e isto é algo tão corrosivo quanto o ruído mas de positivo têm a voz e as letras das canções mas há a censurar a postura do Filipe Sambado que assedia com a boca no ombro do teclista que se encontra de tronco nu não estou numa de moralizar porém fazer de uma aparente orientação sexual (a homossexualidade) centro do seu comportamento como se estivesse a defender essa causa em vez das músicas é iníquo e ainda há que reportar algo assim: “O Cristiano Ronaldo violou uma jovem” ou “animem-se mais do que o meu feed no Facebook”;
Chalo Correia através da guitarra acústica e da sua voz acompanhado por um guitarrista ligado à corrente eléctrica e por um percussionista na essência magistrais e em que as letras das canções ora francês ou em quimbundu com origem no semba e do rebita ou da kazucuta numa referência à cultura popular angolana especificamente Luandense (referente à cidade de Luanda); mas Cruzeiro Seixas acusava os comunistas de perseguirem os homossexuais como nunca haviam sido durante o Estado Novo algo que o entristeceu profundamente por ser apoiante da antiga União Soviética tal como Picasso e este facto fê-lo abandonar a ideologia comunista que para os surrealistas era a alternativa que ambicionavam em relação ao capitalismo e mostra-se incomodada por ter sido vista com desconfiança pelos artistas plásticos que formaram o segundo grupo surrealista e descreve-os como “misóginos” parece que delineia umas reticências e relata que nessa altura fez de conta que não se sentia desconsiderada e ou discriminada e continuou a participar em sessões onde eram desenhados cadáveres esquisitos e rejeita que tenham consumido drogas pois os surrealistas não precisavam desse indutor para criar e por vezes o Mário Cesariny convidava-a a passear pelos jardins da Gulbenkian onde observavam os patos e comentavam as flores e se o Fernando Pessoa era um dos seus poetas preferidos tal não o poderia dizer abertamente porque sabia a opinião do Cesariny que era um poeta do “bonitinho” e da “ausência de um sujeito” pois era uma versão do Walt Whitman do qual havia retirado a heteronomia para além de o julgar um “saudosista” que escreveu a “Mensagem” por contraposição “aos Lusíadas” com o intuito supremo de ser tão “mitológico” quanto o Camões.
Festa D`Anaia, 19 e 20 de Outubro, Centro Cultural e Recreativo da Pena, Pena, Coimbra.
-
A veia é espetada por uma agulha grossa e o sangue é consumido por uma narrativa violenta do Conde Lautréamont: “Direi em poucas palavras co...
-
E se durante a manhã o nevoeiro apague o rosto maquilhado a pó de terra e se a chuva se retenha no seu rosto e o manche de lágrimas colorida...
-
Vivencio uma daquelas tardes de Setembro em que o calor é algo ténue e por essa razão efémero. No palco da Praça da Canção em Coimbra a ensa...