A história da sua vida são duas palavras maltratadas e se uma é movida a electricidade a outra a gás e misturadas explodem do interior para o exterior e os estilhaços marcam a página em branco com verbos desconjuntados e tento refaze-los em frases tão belas quanto cinéticas mas o abismo que se imiscui entre nós impede-me de concluir a narrativa que serpenteia no interior de um enigma que se constrói e desconstrói infinitamente e num espelho encontro um reflexo que me é estranho pois parece que se pergunta “quem sou eu?” e o meu silêncio sentenceia que sejas o nada que analisado é o vácuo que consome este texto e o oprime à asfixia a clemência tenta seduzi-la para que se esqueça da sua natureza ubíqua e os seus pares seguem uns posteriores a outros com o intuito de subtrair a beleza à vida alimentados pelo desejo de apagar as urbes que perfazem os neurónios que transpiram a urgência de fechar as janelas e subtrair do estádio de desenvolvimento o seu aspecto paisagístico que heterogeneamente se revela nos muros onde rugem os termos mais irreverentes e na linha que separa o utilitário do desperdício e afogam-se os respectivos critérios e o libido é obrigado a comprazer-se à prostituição onde reina o absurdo e se o seu rosto são missivas de amantes ignorantes que confundem os opostos e se desligam da realidade amorfa que se dobra segundo a força das minhas mãos de criminoso à soldo da língua portuguesa e assino os três ilusionistas que se revelam através do seu desaparecimento e com eles esvai-se o medo por entre as flores que perdem a sua textura marmórea e clamam pela chuva que se instala para as retirar da secura e as suas pétalas humedecem como lágrimas que as libertam da sede e do poço transborda num dilúvio de prazer de um colosso em chamas e nas torres inventam-se bandeiras com o mesmo algoritmo que encadeadas se comprometem a simular a paz e a guerra num processo canibal que consome as consciências alienadas à escravatura do bem-estar que é slogan de virgens que dispersas se comprometem a amar os marginais como eu; Medeiros/Lucas apresentam-se no Teatrão e dividem-se predominantemente por voz e guitarra acústica e Medeiros é de um portento cântico que tem origem nos trovadores e ou em cantautores como Zeca Afonso ou José Mário Branco do primeiro herda a capacidade de transformar um poema numa arma do segundo a entoação que é correspondente à cenografia da qual estão destituídas por natureza as palavras mas algo que é transcendental no seu canto é o ondular dos versos como se fossem ondas num mar dominado por um maré de Outono aliás é esta a estação do ano que domina sem que tal corresponda à perpetuação da saudade ou da comiseração antes corresponde a uma densidade dramática que tolhe os poemas de uma alma à qual desconhecemos a sua origem geográfica acompanhado por Lucas na guitarra acústica que domina irreversivelmente e com o talento de alterar a métrica conforme o exigem os poemas cantados e dessa forma é o responsável para que o concerto seja de uma vivacidade tão sóbria quanto criativa há em algumas canções o uso de beats que as impregnam de uma tonalidade pop sem que isto seja sinonimo de futilidade ou de vazio estilístico antes são tão eloquentes quanto as reduzidas a voz e a guitarra talvez épico seja falho para adjectivar o concerto desta dupla gigantes; e confiro a relação entre artigos inconciliáveis com o objectivo de induzir-me um destino com ponte entre dois montes de limalhas que são gradualmente consumidas pela erosão advinda de um respiração pausada e a luz que inquieta o firmamento esvai-se por entre os fogos e o lamento é uma surdez que provoca uma gestualidade humana às árvores tementes à tempestade e de uma nuvem advém uma voz “Amém amém vos digo amem o próximo” mas as suas palavras são uivos de sangue que escorrem deste texto com origem numa vela imaginária que se apaga e escurece os vestígios das minhas mãos que tacteiam as teclas como um cego que não suporta a asfixia da noite diária em doses demenciais e o espaço parece uma dimensão que se anula num outro epicentro que se impõe como um sinal infinito que se ramifica num delta que corre para as montanhas de mosaico de réptil venenoso que brilham tais estrelas de diamantes voláteis que se dispersam pelo infinito perpetuando o desconhecido que enigmaticamente se institui em frequências ondulantes que são livres dos temporais que por vezes percorrem as paredes com mapas sem fronteiras que não sejam as determinadas pela geografia que radiografada são rostos que de olhos abertos se reflectem o céu.
Medeiros/Lucas, “Sol de Março”, 23 de Novembro, Teatrão, Coimbra.
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