Não fumes nem te filmes a fumar os teus dedos não sei há quantos anos a observo a fumar-me devagarinho por vezes converso com o seu umbigo com um diabrete trespassado que saltita no meu ombro e mete a sua língua na minha orelha para me seduzir a carregar no botão explodir para me subtrair a ossos e a carne desmembrada o seu baton insere uma dentada no meu pescoço mas não quero rejuvenescer nem que me peças emprestado os testículos para dar de comer ao teu tubarão que por vezes abandonas à porta de um lar de alcoólicos famosos que colocam pensos embebidos em Jack Daniels nas vaginas talvez sim ou talvez um de nós esteja a transpirar as palavras que nos tornam vorazes mas momentaneamente aprisionados a umas paredes de luxo e o foco circular espera ser descoberto pelos mirones que se limitam a procurar uma escapatória à sua curiosidade mórbida e a tua locução é de uma cigarra habituada a lidar com as intempéries que antecedem o Verão há quem a condene à morte mas a sua sentença apenas é deliberada por um vogal de uma associação de vagas malucas que são vetadas à entrada da discoteca e ela vibra ao expurgar a alegria e transforma-la em felicidade dou-lhe a mão mas é de composto inexistente que paradoxalmente me toca como se eu fosse uma guitarra portuguesa que se rebela contra a saudade lamento a sua surdez e acrescento uns acordes em vão e abandono-me numa estrutura que se movimenta saturantemente e ofegante reza pelo futuro e pergunto-lhe se é pelo dia de hoje mas ignora-me altivamente estou certo que ela conhece o preço de tudo mas ignora o seu valor é possível que se encontre a contar os escudos que lhe entopem os bolsos e que lutam para residir nesse buraco onde se sepultam os destroços de navios; o Stereogun apresenta dois nomes para subir ao seu palco e a primeira é uma jovem que veste de fantasma e a sua designação artística é Vive La Void e as suas canções primam por uma linearidade synth por ser meramente repetitiva sem que esta resulte assertivamente em algo hipnótico e nem a tonalidade gótica a consegue retirar da monotonia mesmo que sejam as mais enigmáticas e por consequência indubitavelmente as mais belas; Suuns tem uma narrativa sónica deveras entusiasmante por agregar às canções com estruturas electrónicas diversas correntes estéticas como o rock o kraut rock e a prog e a noise e a pop e o trip hop isto sem que haja quase pausas de umas para as outras e que estão predominantemente imersas em tonalidades negras que em combustão contínua deflagram numa claustrofobia que em vez de atrofiar o ouvinte o liberta e ainda há a destacar a urgência com que deterministicamente se impõem na memória futura como épicos; e Ámen ámen te digo que é melhor a caixa de cartão a esta casa escavacada pela Leslie essa puta morena que se vende por um prato de lentilhas e as vacas mugem num coro selvagem que é um hino à liberdade que gradualmente se estabelece numa métrica fugue mas a natureza ventosa das almas impõem que se altere a canção para uma fúnebre em que constam os alicerces de uma outra sociedade destruída pelos romanos e os arqueólogos que a descodificam reinscrevem um apocalipse detalhado num salmo de seda esburacado por aparos intelectuais e onde é que nos encontramos talvez num centro que paulatinamente se reinsere num outro tempo que se limita a ser uma escapatória para o além que imaginariamente é possível que seja algo tão abstracto quanto surrealista e um lastro de heresias percorre o céu como uma estrela cadente que anuncia o nascimento de um menino sem braços ou pernas que tem uma cruz vincada nos lençóis de linho setenta vezes sete e ressuscita completo no teu regaço de gaivota tonta desorientada que despe as penas hediondas oriundas de uma lixeira no fundo de um oceano que se consome em cada corrente que se prende a um hemisfério invertido que inverte as coisas à nossa volta e ao minuto se discorre uma outra história em que domina a harmonia num retábulo de Mestres que representam uma fábula que defende um mundo a céu aberto às modas ditadas para serem dissecadas pela tua língua viperina.
SUUNS + Vive La Void, 31 de Outubro, Stereogun, Leiria.
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