As demolições prosseguem lentamente porque há órgãos que devem ser preservados para que continue vivo até que surja o reboque e o arraste para a incineradora a sua respiração é lenta e pausada e o seu olhar está preso à inércia apesar da sua pupila brilhar e tentar comunicar que está gradualmente a morrer mas desconhece que tal exista somente instintivamente é que luta pela vida está coberto por um edredão de penas para manter a temperatura tépida e não definhar aos raios de sol duplicado que movimenta a luz intercaladamente sobre os visitantes que se enrolam nas suas sombras que os petrificam e se tentam o movimento sentem um peso no interior que os impede de exprimir a sua natureza que presa se relega para a insensibilidade mas talvez na Primavera floresçam se as suas pétalas forem tão frágeis quanto o vento de cristal e a cobiça por estes figurantes instigue o seu saque por museus onde se coleccionam as cartas de ouros e paus e notas de civilizações fantasmas que tal como a de hoje tinham uma terra movediça que se descolava e se colava aos muros que sustentavam o peso inerte do futuro que é uma divagação presente do que será e o estrume que é defecado por empilhadoras de cadáveres albinos sem rosto ou propriedade que os distinga uns dos outros a pestilência é absorvida pela atmosfera que é constituída por um gás tóxico como em tempos o mostarda que envenenava os guerreiros que a trote se entrincheiravam na fossa comum do além; o duo Lavoisier divide-se por um guitarrista e corista e por uma cantora que em algumas canções usa a precursão e estas soluções minimais jogam de forma intensa já que a guitarra eléctrica remete para o universo da música popular portuguesa acentuada pelas vocalizações da cantora que são de quem conhece o poder da língua portuguesa elevando-as à condição de pertencerem a um território em que impera a portugalidade disso é exemplo o poema do Fernando Pessoa ortónimo mas há também o desespero ou a dor da violência da partida ou a profusão de quadros maioritariamente naturalistas e o resultado é próximo de algo que se arquitecta segundo os princípios de uma excelsa performance que por si só é de uma perfeição arrepiante; e ouve-se uma batida de um ponto distante que se aproxima num eco seco e ameaçadoramente percorre as duas linhas do horizonte que infinitamente espelham o vazio que as rodeia e invertidamente há um resto de algo que é imperceptível para o olhar de um relógio submerso numa alienação refrescante que uma auto combustão transforma em cinzas que bóiam na crueldade de um lençol com um rosto que se sacrificou por um mundo inexistente e à distância de um chamamento de uma gruta que ecoa como um búzio que propaga a tempestade que soturnamente eclipsa o sol em duplicado e o grotesco impera em cada coisa que representa o ser que saltita por entre as pirâmides que limitam o espaço que condicionam as portas da percepção e se consome o inadiável haja sonho que seja cumprido numa tarde especial que dá continuidade a sulfuração do passado e na eventualidade de um derrube dos sintomas que perfazem a felicidade que se desvanece num segundo e o silêncio é a negação que se assoma à clarabóia de onde há vista para o interior de um organismo em decomposição com um plástico a enclausurar o seu coração que se por vezes ainda bate é como se estivesse a dar as últimas badaladas e há idosos que picam o pica-pau num prato de barro fundido que se limitam a olhar para o seu fogo que desde tempos remotos é idolatrado como se fosse um Deus que é tão letal quanto efémero para o qual fazem vénias subservientes e ao fim das quais desaparecem compulsivamente para um domínio onde ainda fazem sentido e cai a noite e o sol duplicado é substituído por um luar de duas luas cheias de contornos enigmáticos apesar da sua geografia representar rostos diversos dos quais é somente possível percepcionar linhas curvas aparentemente rugosas que enaltecem uma abstracção que se vibra é como a corda de um violoncelo que se propaga do espaço advindo de uma galáxia vizinha.
Lavoisier, 15 de Fevereiro, Centro Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, Figueira da Foz.
domingo, 17 de fevereiro de 2019
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