segunda-feira, 25 de março de 2019

Nada del otro mundo

Talvez sempre haja este sol e este céu azul e não percebo porque o centro comercial está repleto de formigas em redor de formigueiros de fiambre e de queijo na colecta para enfrentar o Inverno durante o qual vivem no subsolo a carregar com bagos de arroz e outras miudezas e tento identificar no azul as tonalidades do lapis lazuli mas somente encontro pontos esbranquiçados que desaparecem num milésimo de segundo e oiço o chilrear de pardais que idolatram a Primavera e o Verão apesar de vestirem as vestes castanhas do Outono e saltitam de estrado em estrado como se fossem os palcos onde os actores se resumem a uma absurda didascálica revejo-me na transcrição do mundo animal para o racional que identifica a delicadeza dos pulos das aves e a movimentação das asas pergunto-me como serão os dias destes animais que perante a escassez das árvores; Her Name Was Fire é um dueto composto por guitarra eléctrica/voz e bateria/voz percorrem as linhas rectas do hard rock e por vezes alguma cedência ao heavy metal e tanto numa quanto na outra as soluções que empregam (variações rítmicas) são insidiosas e agrestes e isto servido com poder sónico a questão é que sobra pouco para algo essencialmente marginal às linhas mestras que desenvolvem continuamente; sobrevivem neste reduto que circunscreve a minha existência que se assemelha a uma constante procura pelo verso perfeito que seja tão divino quanto a energia que os corpos irradiam luminosamente para quem amam e se giram são versões humanizadas de girassóis e se falam exprimem-se através de frases que não evocam a destruição de tudo o que é belo sendo que esta é uma concepção dos homens assim como o feio que sofrem com a passagem do tempo ganhando diversas variantes e prosseguem a questionar-se sobre o sentido da vida animal não estou certo que a deles seja mais valiosa do que o homem que carrega a bigorna ou o saco o carteiro e se sou assim como eles é porque rejeito a supremacia de qualquer individuo e medito sobre o que representam os actores com fatos velhos e rotos e que esperam por alguém que teima em não aparecer e nesta eterna espera há uma suspensão do tempo num outro que é de origem mental numa recriação de um continuo estado de vigília para com o que não tem uma lógica e que parecem cristalizar na espera talvez se eu fosse quem eles desejam encontrar para os alertar sobre a sua condição de mendigos que da vida apenas exigem que a sociedade os deixe em paz; Baleia Baleia Baleia tem o mesmo número de elementos que Her Name Was Fire mas o baterista não canta e o vocalista toca baixo eléctrico e as diferenças entre estes são que se relegam para a pop cantada num português pobre esta ilação decorre de um outro concerto onde os vi já que aqui felizmente a voz está de tal forma secundarizada que é impossível ouvir com acuidade o que canta quanto à música resume-se a ilustra-la de forma simplista; associo outras imagens de um imaginário que pertence a um outro lugar que desconheço as características mas não percebo o que faço aqui rodeado por água que flui indolentemente como se fosse o único precursor da ideia de tempo que envelhece o meu rosto e no intimo encaro-me friamente sem que tenha que me afastar do meu reflexo que é página onde gravitam os versos que são assinados por James Dunn que se desfaz em cada palavra omissa e que o representa assim como a tudo e a todos mesmo que isto seja uma impossibilidade pois instala o critério do nada como elemento transgressor para com uma sociedade que compra tudo mesmo que tenha origem criminosa e nessa medida há uma conivência perversa mas isso pouco importa se este céu desaparece-se para ser substituído pela noite e os pássaros vivem essa tragédia diariamente que em ramos dependurados esperam que o dia nasça para os libertar da cegueira que nem a lua cheia é capaz de os libertar para que fugir daqui se nesta ilha é porto de encontro de golfinhos e de baleias que cortam o mar à procura de águas tépidas um dia sonho que também me possa fazer marinheiro que no barco a remos tenha a coragem de navegar sem rumo ou se este é de facto algo impossível de descrever é porque a minha memória se faz carregar por figuras que se limitam a acordar para ir trabalhar no turno da manhã e se eu sou como eles é porque os canto e faço deste o meu centro de onde a melodia é tolhida por uma métrica que se expande para lá da página e é nesse espaço que eu existo; Lu Lu Blind são uns veteranos que se reagruparam para dois concertos isto no Sabotage em Lisboa e no Barreiro Rocks e a terceira e aparentemente última data é no Ceira Rock Fest e a sonoridade é reminiscente da década de noventa algo que se associa ao punk filtrado pelo noise e por vezes pelo grunge com uma contínua exacerbação do noise que é de facto assertiva e violenta associada a uma voz aguda e que canta/fala como se estivesse a discursar para uma plateia de potências criminosos.

14º Ceira Rock Fest, 23 de Março, ARMC - Associação Recreativa e Musical de Ceira, Coimbra.