Não é fácil escrever antes de passar as palavras por uma peneira e com as que ficam retidas construo um edifício modelar que pode explodir se for alimentado pela raiva ou a violência ou então serem tão redundantes quanto uma conversa de café cheio meia chávena ou pingado são opções que me torturam diariamente talvez fosse melhor legislar contra esta variedade e decretar o fim do meu sofrimento sim porque eu sou deveras mais importante do que qualquer destes seres à minha volta que chafurdam na terra e perseguem o rastro deixado pelos factos e neste jogo inconsequente distraem-se a patrulhar as ruas numa de prevenir qualquer tiroteio e sinto-me tão inseguro que acendo um cigarro e meio fumado deito-o na boca do esgoto e desconheço a razão para a correria dos galgos alimentados a caviar que parece uma corrida atrás de uma lebre que poderia ser uma mulher ou uma doida qualquer que despe a roupa enquanto se aproxima de uma foz e desaparece quando se reflecte e a saudade é trazida mecanicamente pelas ondas de salitre que marcam o vidro com o sal que se amontoa a meus pés como se fossem os seus restos mortais e não consigo suster uma lágrima que é absorvida pelos cristais e a dor emocional esvai-se e pergunto-me porque amei o seu ventre salpicado por rostos angelicais assim como o seu cabelo de algas marinhas e a resposta é tão vaga quanto o seu olhar frágil que representava simbolicamente a sua vulnerabilidade em relação à vida e deixa-me um legado de almas marinhas que se alimentam das minhas palavras que misturadas com água e ar cantam-nas num coro dissonante de tão volátil que me infecta mas não posso ceder à vertigem de lhes dar a minha mão e traze-las à vida extra-uterina seria um sacrilégio e um sacrifício desprovido de racionalidade e não percebo porque mitifico a solidão e jamais encontro algo que justifique tal vinculação e no relevo que contorna os livros absortos num papaguear de uma não literatura que se compadece com o vazio do tempo que é somente o que é construído com a anuência dos ditadores; Joana Espadinha faz-se acompanhar por um guitarrista/voz e por uma teclista sendo que a cantora lisboeta introduz beats através de uma mini mesa e as canções são predominantemente pop que são excelentes quando o ritmo é acelerado com um canto sedutor já as tristes ou lentas são sofríveis porque não são suficientemente dramáticas com a agravante de a voz da Joana Espadinha denotar inúmeras limitações e há ainda outro ponto negativo que são as letras de uma fragilidade estilística abrasiva que as tornam light algo que as sentencia ao esquecimento; que de uma forma ou de outra dominam e cercam os campos inóspitos com arame farpado e incendeiam as bibliotecas dos intelectuais que se debatem contra este ostracismo com uma frustração delirante que se traduz num absurdo que pode-lhes ser fatal e observo-me para identificar-te e não surjo e nem tão pouco vós volto a tentar e resgato-te do fundo do mar e ao emergires trazes as almas de quem naufragou em doenças venéreas e escolheu-o como um leito turbulento e absorvo essa energia que me transforma em homem finalmente com sombra e que se lê ao contrário do que infelizmente está estipulado e se este fim parece que me eleva à condição de quem reclama da vida um outro destino que assegura que se fossem somente palavras de nada valeriam se não fosse o signo que lhes oferece inúmeras cambiantes segundo os tempos em que foram narradas e envolto na seda dos seus braços flutuo sem que tenha consciência que me desvaneço e se me evaporo é porque sou tão belo quanto transparente e perpassado pelo vosso amor serei eternamente um solilóquio que se espraia para o interior de um outro que se debate contra si para voltar à vida mundana e rever os velhos amigos sentados num lar de televisões que mudam automaticamente de canal para um que transmite uma sequência de elegias que versam sobre o que me percorre como se fosse o sangue nestas veias que se relevam num capitel onde se constrói um novo futuro.
Joana Espadinha, 26 de Abril, Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, Figueira da Foz.
segunda-feira, 29 de abril de 2019
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