domingo, 5 de maio de 2019

Odisseia

Quero vender este fogo mas não descubro coleccionador nesta feira de vaidades onde se pavoneiam espécies em vias de extinção mas pouco lhes importa tal condição se vestem peles de animais centenários e podem visitar as ruínas das suas vivendas durante o Verão e conceder um desconto a quem não é capaz de se relacionar socialmente e ignorar os despojos dos pobres dos deficientes ou resvalar para um jardim de flores de plástico que decoram os seus leitos de colchões de penas de gansos depenados enquanto cantavam uma ária ou lhes decepavam os testículos para obterem o timbre perfeito para o alarme da garagem e se os tortura na bolsa o sobe e desce das acções como se fosse um gráfico que inscreve um constante bater mal dos seus corações abunda a ansiedade que os consome num contínuo degradante talvez os saldos ou a venda antecipada de almas para ilustrarem o passado os faça irradiar felicidade mas esta é por norma tão fugaz quanto o abrir e fechar de um novo dia de Inverno ilustram os seus sentimentos através de velhas escrituras das quais desconhecem a sua essência e relatam o seu desdém em vozes tão populares quanto inócuas que lhes dá risos de quem está distante da realidade seja o vento que dá movimento à paisagem campestre e sonham com um sítio onde possam viver sem limites de gastos ou que não lhes obrigue a reverem-se ao espelho onde as seitas divagam de deserto em deserto talvez haja algo que os satisfaça seja o silêncio ou a bebedeira do dia anterior ou a infusão de água benta na sopa do perdigueiro que tem que mamar às escondidas do papa e se ele chora muda-se a fralda que tem por destino cobrir a carapaça de uma tartaruga prestes a contrair matrimónio com um padre de sotaina pedófila se correm de soslaio como imundos pesos de lixo que substituem as pedras e a terra e as flores e as grutas e as pontes e os túneis de néon; Lisbon Poetry orquestra tem como premissa enaltecer a obra da poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen uma das poucas mulheres a constar no Panteão Nacional juntamente com a Amália e as canções em que o declamador é Miguel Borges oferece à poesia uma textura exacerbada que é impossível perceber os versos associado a isto há uma inaptidão por parte dos músicos que se limitam a desenhar as canções já quanto ao André Gago imprime um canto declamado sedutor e brilhante que dá vida à poesia da Sophia e a banda está à altura ao criar seja ambiências ou diversas ondulações melódicas pejadas de pormenores delicados; e a loucura não se apropria de quem passa sejas tu ou eu ou nós ou vós e eles ou elas há uma transversal imunidade ao grotesco seja por que estão imersos em imagens que lhes ou que vós permite distanciarem-se das tragédias sejam as climatéricas ou as de Homero não conhecem o surrealismo através de um poema do Mário Cesariny ou do Rui Reininho cantam o inferno de dantes como se estivessem a sofrer com uma relação que os prendia a uma dor associada ao amor sentimento cristalizado em notícias de ódio em pareceres da especialidade e lutam entre pares por um outro futuro que não esteja consignado a uma vivencia imersa na turbulência de uma visão sobre um desterro de dejectos humanos e assinam diversos documentos que impõe a cegueira do próximo seja Ulisses ou de O Virgem Negra ou ainda da Ana Lee numa banheira de pétalas vermelhas que a vestem de uma beleza artisticamente bela e há quem lhe chame passado ou presente mesmo que entre estes haja uma fronteira que não conseguem visualizar por se movimentar conforme a intensidade de cada uma das memórias que representam um estado de alma de dor ou de consternação e até de frustração com os quais dialogam na esperança que desapareçam ou se transformem em algo positivo seja no amor ou numa vitória qualquer e o desmaiar de um novo dia onde se vertem no interior de uma concha ensanguentada que se desfaz num ou noutro gemido de prazer e se a isto as velas apagadas se acendem para ocultar mistérios que se revelados serão surripiados pela má-língua preta e suja e repleta de verbos egocêntricos associados a uma máscara que se transmuta em outras tantas que é impossível localizar o interior dessas cavernas que nem têm desenhos rupestres ou fósseis suspensos num óbice e são capazes de divulgar o que conta para que se faça luz mas que seja eterna e que anule a escuridão de todas as outras luzes que piscam ao encontrarem um vazio etéreo e nacionalmente conhecido como o tesouro velho e de fancaria mas que vos solda a uma massa que por aqui construiu os seus jazigos.

Lisbon Poetry orquestra, O Mundo de Sophia, 3 de Maio, Museu Municipal Santos Rocha, Figueira da Foz.